quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Tulku Pema Wangyal Rinpoché - O CORTADOR DE DIAMANTE (atualizacão diária)



Tulku Pema Wangyal Rinpoché - O CORTADOR DE DIAMANTE

No princípio, é preferível sentarmo-nos para habituarmo-nos a tomar consciência da inclinação da nossa espírito. Quando despejamos água lamacenta num recipiente, é preciso deixar decantar para que ela reencontre a sua limpidez. Estando alguns instantes tranquilos e sem tensões, vemos melhor a nós mesmos. Com tempo, essa faculdade torna-se natural. Consciente sem demora do que se passa no espírito, não nos deixamos mais ser assaltados por sentimentos negativos ou por sonhos inúteis que não se realizam nunca.
É preciso um ambiente especial para fazermos acalmar o nosso espírito e observar a sua atitude? Todos nós sabemos que é muito difícil encontrar um lugar solitário e sagrado. Na realidade, a casa, o escritório ou o carro são também lugares propícios. Onde quer que estejamos, o importante é consagrar alguns minutos a este exercício. Tiraremos proveito dos menores instantes. A calma irá estabelecer-se gradualmente, para tornar-se habitual, depois natural. O exame da motivação faz-se então de maneira espontânea, mesmo em plena actividade, o que é precioso se temos intenção de pisar terrenos férteis em conflitos como o trabalho e a família; aí onde outrora o espírito teria sido solicitado em várias direcções, será mais fácil ficar calmo e construtivo.

POSTURA E RESPIRAÇÃO
Para funcionar, a mente se apoia nas energias mais ou menos perceptíveis que circulam nos canais físicos ou subtis, consoante o caso. No Tibete, nós comparamos a energia a um cavalo selvagem e cego montado por um cavaleiro inteligente mas deficiente... Uma postura correcta mantém os canais direitos e permite que a energia circule livremente e sem choques. Expulsar o ar viciado e desfazer os bloqueios alojados nos canais grosseiros e subtis purifica o corpo e a mente, que reencontram assim um equilíbrio harmonioso.

A postura em sete pontos
A utilidade desta postura é extensamente explicada nos textos sobre os diferentes yogas. Mas sucintamente o objectivo é permitir aos elementos subtis nos diferentes centros do corpo que recuperem o seu equilíbrio.
(1) As pernas na posição de lótus ou de vajra (cruzadas uma sobre a outra) ou na posição dita do bodhisattva (cruzadas uma à frente de outra).
(2) a coluna vertebral mantida direita como uma flecha.
(3) os ombros puxados para trás, «como as asas dum abutre».
(4) as palmas das mãos postas sobre os joelhos; ou ainda, a mão direita repousa dentro da mão esquerda ao nível do umbigo, as palmas viradas para cima com a extremidade dos polegares em contacto;
(5) a língua, nem enrolada nem crispada, repousa confortavelmente contra o palato;
(6) os olhos podem estar abertos ou fechados. No caso presente, deixamo-los numa posição perfeitamente natural, nem fechados, nem abertos demais;
(7) a cabeça não deve pender nem para trás nem para a frente: o pescoço deve estar direito e o queixo ligeiramente para dentro, de forma a manter a coluna direita.

Cada ponto desta postura tem a sua importância. Por exemplo, pousar as palmas das mãos sobre os joelhos, ou pousá-las uma sobre a outra ao nível do umbigo, equilibra as energias físicas e estabiliza a mente. Com efeito, cada um dos principais centros do corpo, ou chakras, está relacionado com um dos cinco elementos: a água, o fogo, a terra, o vento e o espaço (que chamamos por vezes de metal ou madeira). É suficiente tocar em vários sítios do corpo para nos apercebermos de que certas zonas são mais quentes que outras. Isso indica que as energias se parecem consigo mesmas em pontos particulares do corpo.

Expulsar o ar viciado
No exercício que se segue, trata-se de, durante a expiração, expulsar todas as energias perturbadas pelas acções negativas (uma acção pode ser física, verbal ou mental) praticadas sob a influência dos cinco venenos (4). O ar expirado drena também os bloqueios físicos ou mentais que daí resultam, fontes de irritação, de tensões e de reacções agressivas. As cinco «emoções perturbadoras» tornam-se de facto em energia e alteram a saúde, a paz mental e o ambiente circundante.
Adoptem a postura em sete pontos, as palmas das mãos pousadas sobre os joelhos. Apoiem a extremidade do polegar na base do anelar de cada mão, e mantenham uma ligeira pressão, o que terá por efeito converter a energia negativa em energia positiva. Depois, inspirando normalmente, levem a mão direita à cara, tapando a narina esquerda com a extremidade do anelar e expirando pela narina direita, enquanto abrem a mão esquerda pousada sobre o joelho esticando os dedos. Enquanto expiram, considerem que estão a expulsar todas as energias poluídas pelo ódio e pela agressividade. Pensem que libertam assim os bloqueios em todo o corpo, e que todos os nós subtis se desfazem.
Repousar a mão direita sobre o joelho e, durante a inspiração, levantar a mão esquerda. Tapar a narina direita com a extremidade do anelar. Com os polegares pressionando sempre a base dos dois dedos anelares, expirar pela narina esquerda esticando os dedos da mão direita. Ao mesmo tempo, considerem que estão a expulsar as energias adulteradas pelo apego egoísta; pensem que todos os bloqueios físicos e subtis ligados ao desejo, à frustração e à inveja se desfazem. Apegar-se aos seres e às coisas procurando um prazer pessoal e imediato bloqueia a corrente da alegria e da felicidade verdadeiras.
Finalmente, fechem os punhos sobre os polegares, pousem-nos sobre os joelhos e inspirem lentamente, depois expirem com força pelas duas narinas. Abram as duas mãos esticando os dedos. Considerem que expulsam a energia adulterada pela ignorância. Pensem que os bloqueios devidos a conflitos exteriores e interiores causados pela ignorância se dissolvem. A ignorância fundamental mantém-nos num estado de confusão; desorientados, agimos sem compreender realmente os actos, nem mesmo ter uma clara consciência, e isto perturba a circulação da energia.
Estes exercícios podem ser feitos três vezes. No decorrer da primeira série, a expiração far-se-á docemente, enquanto que na segunda, mais profundamente, e para terminar, muito profundamente. Esta técnica de respiração, que acompanha a concentração mental, age de uma maneira subtil e poderosa sobre o espírito, sobre a circulação da energia e sobre o corpo. No fim do exercício, considera-se que os canais subtis estão completamente limpos: tudo se torna perfeitamente límpido e transparente.
NOTA
(4) Os cinco venenos: a ignorância, o apego egoísta, a aversão, a inveja e o orgulho envenenam toda a acção cometida sob a sua influência. A expressão «emoções perturbadoras» é sinónima; é a tradução do termo tibetano nyon mongs, em sânscrito klesha, assim definido no grande dicionário Tsig mdzod chen mo: «Fenómeno mental que, provocando dificuldades afligem o corpo e o espírito, bem como actos nocivos, torna a corrente mental extremamente tormentosa». Apesar do usao da palavra «emoção» seja passível de crítica, porque aqui ele não corresponde sempre perfeitamente àquilo que está abrangido pelo termo nyon mongs, esta expressão está largamente difundida nas traduções francesas de ensinamentos budistas. Por razões de coerência com os textos mais conhecidos, ela é também utilizada aqui, partindo do princípio que o contexto é suficientemente explícito para não gerar confusão.

Alternância de concentração e repouso
Estar fisicamente num lugar tendo o espírito noutro, não é difícil, todos sabemos como isso se faz: a maior parte do tempo o espírito está disperso e galopa em todos os sentidos. Saber centrá-lo e repousar é um verdadeiro trunfo, particularmente num mundo onde projectos e actividades são incessantes. O treino da concentração num ponto é um meio excelente de aí chegar.
No caso presente, a respiração será o objecto da concentração. O exercício consiste em estar atento à respiração durante alguns minutos, o que conduz a um estado de calma. Experimente contar tranquilamente os movimentos da respiração, sem alterar o ritmo natural e sem se distrair um instante sequer, a fim de estar realmente presente, aqui e agora. Uma vez que o espírito fique perfeitamente focado no vaivém da respiração durante sete respirações, será possível prolongar a duração da concentração e contar onze respirações, vinte e uma ou mais.
Duma maneira geral. Respiramos pelo nariz. Quando estamos ao pé do mar, ou na montanha ou num lugar desimpedido em plena natureza, podemos respirar suavemente pela boca, os lábios entreabertos.
É conveniente alternar cada período de concentração com um momento de descanso de duração equivalente ou, sem contar nem se concentrar seja sobre o que for, procura-se ficar simplesmente no aqui e agora. A alternância destas duas fases evitam o defeito de uma grande crispação e permite que a energia se equilibre de uma maneira harmoniosa.
Praticada regularmente, esta técnica traz uma clareza de espírito cada vez mais profunda que acalma o corpo e o espírito. É um treino muito útil, para si mesmo e para todos os seres, Assim que ele for explicado em detalhe no capítulo dedicado à técnica do tonglen, podemos ajudar os seres apoiando-nos na respiração. Quando inspiramos tomamos os seus sofrimentos e quando expiramos deixamos verter sobre eles rios luminosos de compaixão.


AS TRÊS SÍLABAS ADAMANTINAS E AS LUZES
Depois da concentração sobre a respiração, manda a tradição que se concentre sobre as luzes de cor e das sílabas sagradas a fim de desenvolver os diferentes aspectos da sabedoria. Entre todas as cores, retemos cinco: o branco, o vermelho, o azul, o amarelo e o verde. Cada uma delas produz efeitos diferentes sobre os centros e os órgãos do corpo, que por sua vez estão em correspondência com os elementos e as energias. Da mesma maneira os sons Om Ah Hung Svâhâ agem sobre os chakras e sobre as emoções perturbadoras que lhes estão ligadas. Na prática quotidiana, contentamo-nos em utilizar as três cores principais: o branco, o vermelho e o azul, e as três sílabas Om Ah Hung.
Sentados, o corpo ao mesmo tempo direito e livre de toda a tensão, imaginem no espaço à frente um disco luminoso branco, tal como uma lua radiosa e tranquila que se levanta no horizonte. Pensem que esta fonte luminosa contém as bênçãos do corpo, da palavra e do espírito de todos os seres despertos, e se expande em inumeráveis raios irisados.
Se quiserem aguçar as vossas faculdades de concentração, imaginem que o círculo cresce até encher o espaço todo e depois se reduz a um ponto minúsculo de intensa luz branca.
Podem experimentar visualizar a forma luminosa, limpa e transparente de um ser perfeitamente iluminado. Da sua testa, da sua garganta e do seu coração partem alternadamente e depois ao mesmo tempo, brilhantes luzes brancas, vermelhas e azuis que são absorvidos pelos três centros (do corpo: testa, garganta e coração). A luz branca, que penetra pela testa, inunda o corpo, desfaz as energias boqueadas e restabelece o equilíbrio. Ligeiro e livre, um profundo bem-estar invade-nos. Os raios de luz vermelha brilham na garganta do ser desperto e vêm dissolver-se na nossa garganta. Eles purificam os bloqueios e acalmam os desequilíbrios ligados à fala. Depois, emanando do seu coração, uma luz azul vem encher o nosso coração.; essa luz dissolve todos os bloqueios, medos e angústias. A paz estabelece-se em nós.
Durante toda esta visualização, recitem em silêncio ou em voz alta as sílabas do mantra - Om Ah Hung - tantas vezes quanto possível. O som Om ressoa naturalmente no centro da fronte, o som Ah no centro da garganta e o som Hung no centro do coração.
Em resposta à infinita variedade de situações, os seres despertos transmitiram inúmeros mantras. As três sílabas - Om Ah Hung - são alternadamente a fonte e a essência desses mantras. Capazes de desfazer os bloqueios e de transformar as emoções perturbadoras ficando inalteráveis, chamamo-las as três sílabas adamantinas, por analogia com a pedra preciosa e indestrutível que é o diamante.
As práticas que utilizam estas três sílabas são múltiplas. A luz branca está geralmente relacionada com a sílaba Om, a vermelha com a sílaba A e a azul com a sílaba Hung. Podemos utilizar as três sílabas uma a seguir a outra ou em conjunto, mantendo sempre a concentração no disco luminoso. Podemos ainda associá-las aos três movimentos da respiração: Om à inspiração, Ah durante um ligeiro tempo de retenção, Hung à expiração.
Aqueles que quiserem tratar ou curar os outros podem praticar todos os dias a visualização de luzes recitando longamente as três sílabas. Com efeito, trazer uma ajuda eficaz requer muita força e energia. Cultivamo-las recorrendo a esta técnica experimentada que consiste em receber as bênçãos dos seres despertos e em avivar a essência subtil dos elementos; reter o ar e regenerar os elementos internos com A; e expirar com Hung enviando a luz em direcção àqueles a quem procuramos ajudar.
Estas técnicas de meditação sobre um ponto luminoso ou sobre as luzes associadas às sílabas têm variadas aplicações. Quando a prática se relaciona com o corpo, utiliza-se a luz branca. Se queremos antes agir sobre a palavra e a circulação das energias, visualizamos uma cor vermelha como um sol nascente. A cor azul está mais ligada a mente.
As cinco cores são utilizadas para purificar e dissolver os bloqueios que provocam os cinco venenos ou emoções perturbadoras. O branco age sobre a agressividade, o vermelho sobre o apego, o azul sobre a ignorância, o amarelo sobre o orgulho e o verde sobre a inveja.
Logo que aplicadas às atividades, cada cor tem a sua função. O branco pacifica e purifica; o amarelo aumenta (a energia vital, por exemplo); o vermelho controla as forças; o verde estimula a atividade; o azul traz equilíbrio e harmonia.
Visualizar regularmente as sílabas com as suas cores respectivas faz florescer as capacidades auto-curativas: os nós formados nos canais subtis pelos bloqueios de energia desfazem-se e a atenção aos outros aumenta. Isto melhora no princípio a comunicação e, no fim, desenvolve a capacidade de apaziguar e curar o próximo.
As luzes e o mantra têm também uma virtude purificadora, pois eles agem em profundidade para desbloquear e reequilibrar corpo, palavra e espírito. Eles constituem suplementarmente uma protecção muito eficaz contra as substâncias tóxicas. Esta técnica tem ainda outras aplicações, muito numerosas. Um exemplo: temos muito calor? Imaginamos rios de luz refrescante. Temos frio? A luz torna-se num raio de calor agradável que enche o corpo de bem-estar.
No momento de concluir a sessão e de oferecer os méritos, podemos hesitar: mesmo em ausência de toda a distracção, os conflitos interiores podem ter perturbado o curso da meditação. É bem preferível que esta seja harmoniosa. Entretanto, se ela não o foi, o tempo e a energia que a ela foram consagrados guardam sempre o seu valor e merecem ser dedicados. A dedicatória dos méritos preserva as virtudes de uma sessão; eles propagam-se indefinidamente.


REFLEXÃO SOBRE QUATRO TEMAS
De acordo com a tradição, depois de ter aberto a mente com os exercícios precedentes, entregamo-nos numa reflexão sobre os quatro temas que incitam a reencontrar a liberdade intrínseca. Essas reflexões tratam de realidades quotidianas que, geralmente, evitamos ou nos fazem recuar de medo por acordar perguntas destabilizadoras. A tradição budista considera que é preferível olhar estas realidades de frente e utilizar toda a sua força para levar a busca interior tão longe quanto possível. Apresentados brevemente aqui, certos temas voltarão a ser tratados ao longo do nosso estudo.
(1) O Buda e os nossos mestres afirmaram-no: em comparação com outras formas de vida, a vida humana tem um valor particular. Ela torna-se «preciosa» quando aquele que a possui tem as liberdades e as condições favoráveis que, por si, permitem conquistar a liberdade última, para si mesmo e para o bem de todos. (As liberdades e as condições favoráveis serão explicadas em detalhe no capítulo consagrado ao yoga do mestre). Em todos os outros estados de existência, o sofrimento que resulta de actos passados entrava todo o progresso espiritual.
(2) Esta preciosa vida humana, apesar das liberdades e condições favoráveis, continua a ser efémera. A sua duração é forçosamente limitada e o surgimento da morte é totalmente imprevisível. O grande mestre Dilgo Khyentse Rinpoche disse:
"Possamos nós sentir até que ponto a loucura humana se assemelha a um bando de pássaros que se encontra à tardinha em cima de uma árvore; desde que o dia começa a raiar, eles levantam voo e dispersam-se. Tudo será destruído ou dissolvido, como um jarro de barro não cozido sobre o qual deitamos água. Toma consciência de que a morte é não somente certa, mas que ela chega sem avisar, fazendo-nos compreender até que ponto é urgente praticar a via espiritual. É insensato crer que teremos tempo livre para praticar mais tarde! Não percamos tempo, todas as actividades desta vida são fúteis. Pensem no ditado: As actividades, como jogos de crianças, não acabam por si só; tal é a sua natureza: eles param quando as abandonamos".

(3) O terceiro tema refere-se à necessidade de conhecer a natureza das acções e dos seus efeitos para compreender a importância de uma atenção constante. «Acção», ou «acto», cobre neste contexto todas as acções, sejam elas físicas, verbais ou mentais. Cada acção chama uma «reacção»: feliz no caso de um acto altruísta, dolorosa no caso de um acto negativo. Ninguém deseja o sofrimento; a solução passa pelo abandono de comportamentos que o produzem e a procura de comportamentos que dão resultados positivos.
(4) O quarto tema de reflexão refere-se às experiências resultantes dos actos. Os nossos actos passados condicionam também as diferentes dimensões onde se apresentam os fenómenos de que nos apercebemos (6) da vida presente e das existências seguintes. Nesta vida, certos acontecimentos ou fenómenos são compreendidos como positivos, outros como negativos. Os primeiros resultam de actos positivos, enquanto que as circunstâncias desagradáveis provêm de actos negativos. A multitude de acções sustentadas pelas emoções perturbadoras criam espécies de campos de energia subtil. É a partir daí que os fenómenos se podem manifestar desta ou daquela maneira. Uma predominância negativa, por exemplo, produz dimensões onde os fenómenos parecem desagradáveis ou assustadores. Tudo isto confirma que os diferentes estados de existência no qual os seres são levados a nascer são determinados pelas suas próprias acções . (Os seis estados de existência serão abordados mais em detalhe no capítulo consagrado ao yoga do mestre, a propósito das liberdades e das condições favoráveis).

Como é isto possível? Cada ser, desde que passe por experiências desagradáveis, guarda a marca disso na sua consciência fundamental, um estado de consciência muito subtil que é a base de outras formas de consciência. De resto, toda a acção ou situação vivida, seja ela positiva, negativa ou neutra, é registada nessa consciência fundamental. Quando o espírito está livre de tensões, ou quando a energia subtil circula livremente no corpo, como no decurso do sonho por exemplo, as percepções, os sonhos ou pesadelos inesperados podem surgir: são as impressões acumuladas na consciência fundamental de cada um que produz esta infinita variedade de percepções imprevisíveis.
Os sonhos não são os únicos que se formam desta maneira, todas as experiências vividas na vida presente estão condicionadas pelos nossos actos passados. Os actos presentes irão condicionar as nossas percepções futuras.
O resultado de uma acção depende parcialmente da intenção que a motiva, e depende por outro lado também da intensidade do sentimento que a impregna. Uma acção motivada por uma intenção muito positiva e executada alegremente com o corpo e o espírito, trará rapidamente um resultado feliz. Um acto violento cometido sob a influência da agressividade amadurece rapidamente também mas trará como consequência um grande sofrimento.
Isso não é todavia sempre o caso, pois os resultados das acções não são necessariamente visíveis de imediato. Estaremos assim inclinados a pensar que a lei da causa e do efeito não se verifica. Na realidade, é possível que as reacções não se produzam senão em vidas ulteriores. É interessante notar também que uma só acção pode engendrar um ou vários efeitos. Um só acto inspirado pelo desejo de ajudar todos os seres e executado com uma alegria sincera produz frutos positivos inconcebíveis e inesgotáveis. Lamentar ter agido com bondade atrasa os efeitos felizes de um acto positivo, sobretudo se ele não foi dedicado. Lamentar sinceramente um acto nocivo pode anular o resultado. É por vezes possível contrabalançar um acto negativo com um acto positivo.
Os quatro temas servem para demonstrar a urgência de procurar a liberdade última. Mas ainda é preciso saber do que temos que abrir mão a fim de conseguir essa liberdade... Nós somos todos detentores da essência fundamental da liberdade. Nem num só momento este estado de iluminação esteve separado de nós: ele pertence a cada um de nós de maneira intrínseca. Por isso, no plano relativo, os véus mentais impedem-nos de o reconhecer. Esses véus, em número de vinte e quatro mil, conduzem a cinco tipos que correspondem aos cinco principais venenos já mencionados, e dos quais três são facilmente reconhecidos: a aversão, que abrange todos os aspectos do ódio e da cólera; o apego egoísta com o seu cortejo de desejos e paixões; a ignorância, ou confusão mental. Os dois outros, o orgulho e a inveja (ou desejo), são por vezes mais difíceis de serem distinguidos.
As cinco emoções perturbadoras tecem permanentemente véus que impedem de reconhecer a liberdade e a paz fundamentais. É por isso que, qualquer que seja o seu nível, todas as técnicas de meditação, e em particular as cinco práticas preliminares que vamos abordar, servem para mostrar como é possível trabalhar com os cinco venenos de maneira a libertá-los no estado de sabedoria.