sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ENCONTRAMOS O CAMINHO SOB OS NOSSOS PÉS

ENCONTRAMOS O CAMINHO SOB OS NOSSOS PÉS


Por David Schneider


David Schneider nasceu em Kentucky, nos Estados Unidos, filho de pai judeu e de mãe batista. Em 1967 começou a estudar Zen com Phillip Kapleau Roshi e em 1971 conheceu Shunryu Suzuki Roshi que passou a ser seu mestre. Viveu no Centro Zen de São Francisco de 19972 a 1985 e foi ordenado monge. O seu primeiro livro, “Zen de Rua” relata a vida de Issan Dorsey; e o seu segundo livro, “Zen Essencial,” é uma coletânea de poemas.


Em 1985 David foi aceito como discípulo por Trungpa Rinpoche e em 1995 foi nomeado Diretor da organização, Shambhala Europa, por Mipham Rinpoche.


Issan Dorsey, o herói do livro de David Schneider, “Zen de Rua,” costumava dizer, “encontramos o caminho sob os nossos pés,” o que acreditava literalmente. Como é dado o nosso próximo passo: é este o caminho do Buda.


Não me parece possível falar de um caminho no budismo porque quando aludimos a um caminho nos surge uma imagem; um rumo e várias placas de sinalização. Mas o caminho budista é quase sempre invisível. Os textos sagrados explicam que o caminho budista conduz de um estado meditativo apenas visível para o caminhante. Talvez em vez de nos oferecer um caminho o budismo nos ofereça um par de botas para ir onde nos levam mos nossos passos ou para onde nos vejamos compelidos a rumar.


Quando aludimos a um “caminho” está implícita a idéia de rumo, quem sabe mais prazeroso, mais satisfatório ou com um destino incerto; foi o que atraiu a maior parte dos praticantes do budismo: não estávamos satisfeitos com o rumo de nossas vidas e queríamos mudar. Segundo o Buda, é por aí que devemos começar: tomando consciência de que sofremos palmilhando sempre a mesma rota batida.


Contudo, quando interiorizamos o caminho budista nos damos conta de que ele não nos leva a lugar nenhum porque está precisamente sob os nossos pés. Este é o lado simples da questão. As botas budistas são o despojamento e a meditação que nos levam a toda a extensão do mapa espiritual do budismo.


Vamos situar o caminho no esquema tradicional. Num dos primeiros ensinamentos do Buda, no sermão de Benares, ele proclamou as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo. As quatro Nobres Verdades são: a verdade do sofrimento, a verdade da causa do sofrimento, a verdade que podemos encontrar a cessação do sofrimento, e a quarta verdade, o Nobre Caminho Óctuplo—o caminho budista, se é que existe...


As muitas tradições tibetanas, contudo, colocam este caminho num outro lugar: reconhecem que o Nobre Caminho Óctuplo nos conduz à cessação do sofrimento mas também proclamam os Cinco Caminhos. O primeiro, é o Caminho da Acumulação, no qual reunimos as nossas condições: praticamos e acumulando ações meritórias e conhecimentos. A seguir, o Caminho da Unificação, em que são aglutinados os elementos do anterior. O terceiro, o Caminho da Visão ou Compreensão e depois o Caminho da Meditação—este quarto caminho é o Nobre Caminho Óctuplo. O quinto é denominado o Caminho Fim-do-Aprendizado—o que seria um alívio se não constasse de 10 alíneas!


O Nobre Caminho Óctuplo é considerado um dos ensinamentos do Hinayana, a escola dos Anciões, a base de todas as tradições budistas. Pelo ponto de vista do Mahayana e do Vajrayana há quem pense não ser dos mais importantes; um mero primeiro passo a ser assimilado antes da parte suculenta, interessante e sedutora do caminho. Mas é um equívoco!


Na verdade, o Nobre Caminho Óctuplo é válido e verdadeiro por todo o Caminho. É um ensinamento muito profundo e, na medida em que retorna insistente e sempre presente, também um tanto irritante. Mesmo quem o estuda e dedica-se incansavelmente à sua prática; se não o levar sempre em conta, o caminho não transparece. Ainda que se faça uma requintada e elevada prática tântrica a maior parte de nós não a pode sustentar durante o dia—no trem, no ônibus ou numa multidão—tornando indispensável esta prática básica.


O Nobre Caminho Óctuplo se assemelha às fundações de uma casa da qual o Vajrayana é o telhado dourado, mas sem sólidas fundações o telhado assentaria no chão.


O Nobre Caminho Óctuplo é: Pensamento Correto, Intenção ou Compreensão Correta, Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Plena Correta, Concentração Correta. Quando dizemos “correto” não estamos dizendo “correto,” o sentido oposto de “equivocado.” A palavra sânscrita que traduzimos por “correto” é samyak, que quer dizer “completo” ou “inteiro.”


Pensamento Correto ou Pensamento Completo é onde começamos porque o significado de Pensamento Correto é “ausência de pensamento.” É muito importante não ter pensamento porque é a qualidade do caminho sob os nossos pés.


Por exemplo: um amigo telefona para dizer que tem um problema e por ser amigo o escutamos de boa vontade, aliás já estamos acostumados. Começa a falar e logo adivinhamos qual é o problema e de que vai dizer. Não só isso, até sabemos porque aconteceu e mesmo a solução e então nos impacientamos com os detalhes do relato e deixamos de prestar atenção. “Sim.” “Hmmm.” E vamos pensando noutro assunto.


É então que nos afastamos do Pensamento Correto já que, adotando o Pensamento Equivocado, formamos a nossa própria idéia. O seu pensamento pode até, coincidir com o Pensamento Correto, mas também pode não coincidir. Assim, o Pensamento Correto é Ausência de Pensamento: saber ouvir e estar presente, deixar se surpreender. Esta postura é a de não saber onde vai dar o caminho. Não precisamos temer este despojamento, esta qualidade de estarmos plenamente disponíveis, presentes e abertos porque este é o Pensamento Correto. Não oferece muito, pode ser mesmo subtração mais do que uma adição.


Aliás todo o Nobre Caminho Óctuplo é de subtração. Já trazemos toda a nossa incômoda bagagem quando nos sentamos para meditar. O caminho budista é o caminho do despojamento e quase todo de mera subtração.


O segundo, é a Intenção Correta, por vezes traduzido por, Compreensão Correta. Quando interiorizamos o Pensamento Correto e conseguimos simplesmente permanecer no momento presente, optamos por continuar assim; a nossa intenção é de estar presentes. O budismo lida com o corpo, a palavra e a mente e assim, o segundo, terceiro e quarto itens do Caminho Óctuplo estão individualmente associados a uma destas três formas, sendo que a Correta Compreensão está associada à mente.


O terceiro está associado à fala: Fala Correta. Existe uma qualidade da Fala Correta ou Fala Completa que é muito precisa e incisiva. Devido às duas etapas anteriores do Caminho, o Pensamento Correto e a Intenção ou Compreensão Corretas, passamos a estar muito conscientes de tudo o que nos rodeia que se traduz numa fala precisa e correta, expressa apenas o que interessa sem se estender e sem omitir o que quer que seja.


Outra fórmula consagrada é Domínio Correto. Quando lemos os textos sagrados aprendemos que não podemos mentir, tagarelar gerando mal entendidos através da fala. Há muitas formas de considerar o despojamento da fala. Fala não diz respeito apenas ao que é dito mas também a qualquer tipo de relação com o mundo fenomenal. Assim, a forma como nos projetamos no mundo é parte da Fala Correta. Isto não exclui divertimentos ou anedotas, mas sabemos todo o tempo o que estamos fazendo, estando presentes para a nossa fala e também a dos demais: estamos no campo da comunicação, presentes à nossa própria projeção no mundo e à comunicação dos demais conosco.


Segue-se o quarto, a Ação Correta, o papel do corpo e de como agimos. Outra vez temos mais fórmulas consagradas e muitas regras associadas à moralidade, ou como se diz, o certo ou o errado. Acontece que hoje em dia temos acesso a muitas diferentes hierarquias de valores. Numa estante se encontram livres sobre a moralidade da China, do Japão, do Tibet, da Europa Medieval, da América do Sul, dos Índios Americanos, dos Esquimós, etc. Retiramos e folheamos alguns deles (quem medita se dá muitas vezes a este ócio...) Quando nos tornamos sensíveis a esta qualidade “do caminho sob os nossos pés,” folheando estes livros e não deprecamos a sabedoria encontrada ali, tampouco a que se encontra sob os nossos pés.


A leitura, muitas vezes, pode ser uma fuga. “Oh! Dizem que este livro tem coisas interessantes, talvez encontre aqui com que me distrair, uma “consolo” para me ajudar a passar o tempo nesta tarde tristonha.” Ação Correta é estarmos dispostos, firmes e atentos capazes de permanecer na incerteza do momento.




O quinto é, Meio de Vida Correto. Admiro o sentido prático do Buda ao considerar também o Meio de Vida Correto porque mostra que seus ensinamentos são verdadeiramente compassivos que era sensível à realidade de cada um já que muitos de nós ocupamos ao mesmo tempo vários espaços estanques. Por exemplo, posso ter um espaço aqui para a minha prática e outro lá para o meu meio de vida. Fazemos um retiro, ouvimos os ensinamentos e nos sentimos muito bem! Tudo é simples e óbvio, mas depois voltamos para o trabalho num outro espaço estanque e então.... Então é importante lembrar a qualidade samyak, a inteireza ou completude que precisamos adotar no Meio de Vida Correto.


O ensinamento diz que o meio de vida correto é uma parte muito importante da nossa existência, o que mais nos preocupa. Se os relacionamentos do passado, do presente e do futuro não nos preocupam; o dinheiro preocupa. O que diz este ensinamento é que não devemos estar preocupados em “incluir,” porque a nossa espiritualidade não é para ser escamoteada ou aferrolhada num espaço aparte com visitas curtas e intermitentes.


Quando o trabalho é parte da nossa meditação é possível associar o contentamento ao meio de vida. Para estarmos no mundo precisamos trabalhar, não haverá alimento se não houver lavradores. É questão de reconhecer esta nossa dependência e a nossa relação com o mundo para o incluir no nosso processo de conscientização. Não quer dizer que ficando em casa e nutrindo elevados pensamentos filosóficos seja uma opção mais espiritualizada, ou santificada, porque ir à luta e cuidar da terra ou trabalhar numa empresa também é caminho.


O que é interessante é que quando colocamos este enfoque na vida passamos a ser vistos como um tanto.... excêntricos porque parece que estamos nos divertindo ou sempre desfrutando de algo que os outros desconhecem. Há quem se acerque discretamente para perguntar o que é o que é um meio muito propício para difundir a energia da prática.


Mesmo quando não estamos trabalhando precisamos estar conscientes do fato de que não estamos trabalhando ou vamos nos deixar adormecer outra vez pelo ócio. Nos Estados Unidos o ócio assusta porque quem não tem um meio de vida acaba tendo que morar na rua. Já na Europa, o seguro social ampara os desempregados que desfrutam de alguma segurança. Conheço gente que vive bem e por muito tempo apenas com o salário desemprego. Não quer dizer que tenhamos que aceitar uma atividade qualquer, mas o trabalho precisa ser incluído no contexto do nosso desenvolvimento mental.


Esforço Correto ou Energia Correta é o sexto aspecto do Nobre Caminho Óctuplo. Quando permanecemos intensamente no momento presente, encarando as suas múltiplas facetas podemos nos sentir impotentes: estamos perante o que sempre nos intimidou e que requer energia. Quando observamos que determinada situação requer ação tratamos de reunir energia. Não se trata de competir e se outra pessoa está pronta para entrar em ação, tudo bem; aqui consideramos apenas a energia de que necessitamos para levar a cabo a ação.


Será preciso muita energia para sustentar esta visão completa do Caminho; assim, este sexto aspecto nos diz: “Vai em frente! Faz! Anime-se! Troca o rolo de papel higiênico no banheiro, senão ninguém vai trocar!”


Vamos estar conscientes do nosso limite na meditação no que toque a energia e aprender muito sobre o seu caminho, do nosso estilo pessoal, da nossa disposição de reunir, ou não, a nossa energia. É uma faceta muito promissora e exeqüível do Nobre Caminho Óctuplo. Muitas vezes trata-se apenas de permitir esta conscientização. “Será que tenho ânimo/energia para ouvir o que estou ouvindo?” Sim. Tem sim! Não vai acabar com você.


Assim, munidos de energia tomamos o próximo passo. Meditação Correta, também chamada de Plena Atenção Correta ou Relembrar Correto. O relembrar é um aspecto interessante de tudo isto já que nos leva a considerar o que foi feito, o que foi esquecido por nós e pelos outros e trazendo à memória a nossa própria energia e sabedoria. Podemos considerar com satisfação e uma ponta de vaidade, o caminho que percorremos. “Hoje consegui fazer a meditação!” Também é parte do caminho.


O Relembrar Correto é parte importante do caminho porque quando vemos os grandes heróis e heroínas budistas cujos retratos estão diante de nós, lemos as suas histórias de vida e comparamos com as nossas podemos desanimar e achar que jamais iremos tão longe. Constatamos o abismo que existe entre estes nobres mestres e os trapalhões que somos. Então, é bom lembrar que tudo o que os nobres mestres fizeram foi para nós e que os ensinamentos perduram para nós. Viajaram para receber os ensinamentos para nós, escreveram livros para nós, transmitiram os ensinamentos para nós, construíram mosteiros—tudo para nós. Então, animem-se!


O Relembrar Correto ou a Plena Atenção Correta não é apenas uma retrospectiva, é também o desenvolvimento de uma consciência panorâmica. Passamos a estar dispostos a observar o que nos rodeia: a nossa vida, a vida das pessoas que nos cercam... permitimos à nossa mente penetrar estes lugares, observa-los, senti-los.


Resta o aspecto tradicional de estarmos atentos, de unir o nosso corpo e a nossa mente para poder agir com todo o nosso ser. Isto faz lembrar um episódio singelo na vida do Buda. Ele passava por um poço quando uma mulher aproximou-se e pediu que a ensinasse a meditar; então Ele disse: “Quando você estiver tirando a água do poço; tira a água do poço.” É muito simples mas infelizmente hoje em dia tudo nos distrai, poucas pessoas nos animam e algumas nos agridem por estarmos onde estamos.


Pessoalmente sou sensível a relatos. Costumo fazer longas viagens de carro e se ligo o rádio e ouço uma notícia interessante sobre o um acontecimento no deserto, vejo a areia ardente, as ondas de calor na estrada, sinto o cheiro do capim... estou lá. Não importa se estou na estrada dirigindo a 80 km por hora, rodeado de carros que me ultrapassam... não sei como, mas sou transportado para o deserto.


Como pessoas vão para a academia fazer ginástica ou correr na praia e levam o radinho. Querem se manter em forma mas não querem pensar no que estão fazendo; e ainda os telefones celulares presentes em todos os ambientes que tocam e nos obrigam a escutar a conversa.


Hoje em dia é tão fácil sermos transportados para um lugar outro do que o que estamos plantados... enquanto o caminho budista consta de permanecer, corpo e mente, onde quer que estejamos. Qualquer que seja a etapa do caminho budista em que estivermos, permanecemos ali mesmo.


O oitavo é a Concentração Correta. Quando comecei a meditar gostava da idéia de que em qualquer lugar poderia me ligar ao estado de samadhi—que este era o objetivo da meditação—estar ligado durante a meditação e desligado no fim da sessão para depois tratar da vida, mas há 25 anos que tento e não consigo.


Quando se fala de Concentração Correta não é isto que se quer dizer. Samadhi não é um estado de transe em que entramos por uma porta ficamos durante um tempo em êxtase místico, na mais completa e prazerosa paz e saímos por outra, transformados. Claro no budismo existem técnicas, que se forem levadas ao extremo, nos conduzem a este estado de mente; contudo, Concentração Correta quer dizer não entrar neste estado de mente mas presente a tudo o que possa surgir mente. Não quer dizer depurar o conteúdo na mente, mas muito mais permanecer com os seus conteúdos.


Por este ponto de vista pode-se dizer que a meditação profunda não existe. Ouvimos dizer que fulano de tal estava am meditação profunda mas a meditação profunda e a meditação menos profunda são a mesma coisa: o esforço para estar presente a tudo o que surge na mente. Parece ser um processo longo e moroso porque levamos muito tempo a descobrir todos meios de fuga que adotamos. Muitas vezes durante cinco, dez, ou quinze minutos não nos damos conta de que estamos em fuga! Podemos estar recitando um mantra ou fazendo uma prática de visualização, ou simplesmente meditando e subitamente nos damos conta que não estamos presentes.


Uma das palavras tibetanas para meditação é gom, que quer dizer, se familiarizar. Podemos dizer que a meditação é de certa forma uma prática mundana. Não se trata de mudar de lugar—provavelmente não vamos nos sentir rodeados de nuvens cor de rosa e músicos celestiais—mas de ir para a almofada e se familiarizar com quem você é.


O caminho budista trata de fazer apenas isto, uma e outra e outra e outra vez, é muito sutil, e invisível. Mais ninguém saberá se estamos neste caminho, pelo menos por vários anos. A transformação será sempre muito sutil e constará de uma disposição de retornar sempre ao ponto onde estávamos anteriormente e esta disposição, segundo o Buda, é que nos permite esgotar o sofrimento calcado no egoísmo. É esta mesmo disposição que nos conduzirá ao Mahayana e ao Vajrayana porque se aplica a qualquer tipo de meditação ou prática espiritual. Podemos até pensar que estai prática é apenas para principiantes mas Trungpa Rinpoche disse: quanto mais intensa for a nossa capacidade de permanecer plenamente atentos mais elevado será o grau de iluminação.


Publicado na revista View No.8

PATRUL RINPOCHÊ - As palavras do meu perfeito professor





PATRUL RINPOCHÊ: As palavras do meu perfeito professor



As Dificuldades de se obter as liberdades e vantagens

O principal assunto deste capítulo, o ensinamento sobre a dificuldade de se obter as liberdades e vantagens, é precedido por uma explicação sobre a forma apropriada de se ouvir a qualquer instrução espiritual.

I. A FORMA APROPRIADA DE SE OUVIR UM ENSINAMENTO ESPIRITUAL.

A Atitude apropriada de se ouvir os ensinamentos tem dois aspectos: a atitude e a conduta corretas.

1. Atitude

A atitude certa combina a atitude vasta da Bodhicitta, a mente da iluminação, e os vastos meios hábeis do Mantrayana Secreto.

1.1. A VASTA ATITUDE DA BODHICITTA.

Não há um único ser no samsara, este oceano imenso de sofrimento, que no curso de tempos sem começo não tenha sido nosso pai ou mãe. Quando eles foram nossos pais, o único pensamento desses seres era nos criar com a maior bondade possível, protegendo-nos com grande amor e dando-nos o melhor de sua própria comida e vestimenta.
Todos estes seres, que já foram tão bondosos conosco, querem ser felizes, mas eles não têm a menor idéia de como por em prática o que trás a felicidade, os dez atos positivos. Nenhum deles quer sofrer, mas eles não sabem como abandonar os dez atos negativos na raiz de todo o sofrimento. O desejo mais profundo deles e o que eles fazem de fato contradizem um ao outro. Pobres seres, perdidos e confusos, como um homem cego abandonado no meio de uma planície vazia!
Diga a sí próprio: "Será para o bem-estar deles que eu vou ouvir o Dharma profundo e pô-lo em prática. Eu conduzirei todos esses seres, meus pais, atormentados pelas misérias dos seis reinos de existência, para a budeidade onisciente, libertando-os de todos os fenômenos cármicos, padrões de hábitos e sofrimentos de cada um dos seis reinos". É importante que se tenha essa atitude cada vez que você ouvir aos ensinamentos ou praticá-los.
Sempre que você fizer algo positivo, seja de maior ou menor importância, é indispensável aumentar isso através dos três métodos supremos. Antes de começar, desperte a Bodhicitta como um meio hábil que assegurará que o ato vai tornar-se uma fonte benéfica para o futuro. Enquanto executa o ato, evite envolver-se com qualquer conceitualização, de forma que o mérito não seja destruído pelas circunstâncias. No final, sele o ato apropriadamente dedicando o mérito, o que assegurará que o mesmo continuamente crescerá.
A forma como você ouve ao Dharma é muito importante. Contudo, mais importante ainda é a motivação com a qual você o ouve.

O que faz um ato bom ou mau?
Não como ele é visto, nem se ele é grande ou pequeno.
Mas a boa ou má motivação por trás dele.

Não importa quantos ensinamentos você tenha ouvido, estar motivado por preocupações comuns - tais como o desejo de grandeza, fama ou o que quer que seja - não é a forma do Dharma puro. Assim, antes de tudo, é da mais alta importância que se observe o interior e mude sua motivação. Se você puder corrigir sua atitude, os meios habilidosos permearão seus atos positivos, e você terá iniciado o caminho dos grande seres. Se você não puder, você pode até pensar que está estudando ou praticando o Dharma, mas isso não será mais do que uma aparência do daquilo que deveria ser. Por isso, sempre que você ouvir aos ensinamentos ou sempre que você praticar, seja meditando em uma deidade, fazendo prosternações e circumabulações, ou recitando mantras - até mesmo um simples mani - é sempre essencial que faça-se surgir a Bodhicitta.

1.2. OS VASTOS MEIOS HABILIDOSOS: A ATITUDE DO MANTRAYANA SECRETO.

A Lanterna dos Três Métodos fala do Mantrayana Secreto:

Tem o mesmo objetivo, mas é livre de toda confusão,
É rico em métodos e sem dificuldades.
É para aqueles com faculdades aguçadas.
O Veículo do Mantra é sublime.

Pode-se entrar no Mantrayana por muitos caminhos. Ele possui muitos métodos para a acumulação de mérito e sabedoria, e meios habilidosos profundos para fazer o potencial dentro de nós manifestar-se sem termos que nos submeter a grandes austeridades. A base para esse método é a forma que nós direcionamos nossas aspirações:

Tudo é circunstancial
e depende inteiramente da nossa aspiração.

Não considere o lugar onde o Dharma está sendo ensinado, o professor, os ensinamentos e etc, como comuns e impuros. A medida que você ouve, mantenha as cinco perfeições de forma clara na mente:

O lugar perfeito é o refúgio de extensão absoluta, chamado Akanishtha, "O Insuperável". O professor perfeito é Samantabhadra, o dharmakaya. A assembléia perfeita consiste dos bodhisattvas masculinos e femininos e as deidades da linhagem mental dos Conquistadores e da linhagem simbólica dos Vidyadharas.
Ou você pode considerar que o lugar onde o Dharma está sendo ensinado é o Palácio da Luz de Lótus da Montanha Cor de Cobre Gloriosa, o professor que ensina é Padmasambhava de Uddiyana, e nós, a audiência, somos os Oito Vidyadharas, os Vinte e Cinco Discípulos, e os dakas e dakinis.
Ou considere que o lugar perfeito é o Campo Búdico Oriental, Alegria Manifesta, onde o professor perfeito Vajrasattva, o perfeito sambhogakaya, está ensinando a assembléia das divindades da Família Vajra e o Bodhisattvas masculinos e femininos.
Igualmente bem, o lugar perfeito onde o Dharma está sendo ensinado, pode ser o Campo Búdico Ocidental, a Beatitude, o professor perfeito o Buddha Amitaba, e a assembléia dos Bodhisattvas masculinos e femininos, e divindades da família Lótus.
Sempre que for o caso, o ensinamento é aquele do Grande Veículo, e o tempo é a roda sempre giratória do tempo.
Estas visualizações sã para ajudar-nos a compreender como as coisas são na realidade. Não é que estejamos temporariamente criando algo que não existe de fato.
O professor incorpora a essência de todos os Buddhas através dos três tempos. Ele é a união das Três Jóias: seu corpo é a Sangha, sua palavra é o Dharma, sua mente o Buddha. Ele é a união das Três Raízes: seu corpo é o professor, sua palavra o yidam, sua mente as dakini. Ele é a união dos três kayas: seu corpo é o nirmanakaya, sua palavra o sambhogakaya, sua mente o dharmakaya. Ele é a encorporação de todos os Buddhas do passado, fonte de todos os Buddhas do futuro e o representante de todos os Buddhas do presente. Uma vez que ele aceita como seus discípulos seres degenerados como nós, os quais nenhum dos Buddhas do Bom Kalpa poderia ajudar, sua compaixão e bênçãos excede aquela de todos os Buddhas.

O professor é o Buddha, o professor é o Dharma,
O professor é também a Sangha.
O professor é aquele que realiza todas as coisas.
O professor é o Glorioso Vajradhara.

Nós, a assembléia reunida para ouvir aos ensinamentos, usamos nossa própria natureza de Buddha, o suporte da nossa preciosa vida humana, a circunstância de termos um amigo espiritual e o método de seguirmos seus conselhos, para tornarmos os Buddhas do futuro. Como o Hevajra Tantra diz:

Todos os seres são Buddhas,
Mas isto é ocultado pelas impurezas que se acumulam.
Quando suas impurezas são purificadas, a Budeidade é revelada.


2. Conduta.

A conduta correta quando se ouve aos ensinamentos é descrita em termos do que se evitar e do que se fazer.

2.1. O QUE SE EVITAR.

O que se evitar inclui os três defeitos do pote, as seis impurezas e as cinco formas de recordar.

2.1.1. Os Três Defeitos do Pote.

Não ouvir é ser como um pote virado de cabeça para baixo. Não ser capaz de reter o que você ouve é ser como um pote com um buraco. Misturar as emoções negativas com o que você ouve é ser como um pote com veneno.
O pote virado de cabeça para baixo. Quando você estiver ouvindo aos ensinamentos, ouça ao que está sendo dito e não deixe-se estar distraído por mais nada. Doutra forma, você será como um pote de cabeça para baixo, no qual um líquido é lançado. Embora você esteja fisicamente presente, você não ouve uma palavra do ensinamento.
O pote com um buraco. Se você apenas ouvir, sem conseguir lembrar nada do que você ouve ou compreende, você será como um pote com um buraco: não importa quanto líqüido seja lançado nele, nada pode ser retido. Não importa quantos ensinamentos você ouça, você nunca assimila ou os coloca em prática.
O pote contendo veneno. Se você ouvir aos ensinamentos com a atitude errada, tal como o desejo de tornar-se grande e famoso, ou com a mente cheia dos cinco venenos, o Dharma não terá o efeito esperado de ajudar a sua mente; e ele também será transformado em algo que não é, de forma alguma, Dharma, semelhante a um néctar lançado num pote contendo veneno.

Essa é a razão do sábio indiano, Padampa Sangye, ter dito:

Ouça aos ensinamentos como um veado ouvindo música;
Contemple-as como um nômade do norte tosquiando uma ovelha;
Medite neles como um mudo saboreando um alimento;
Pratique-os como um yak faminto comento grama;
Atinja seus resultados como o sol surgindo por detrás das núvens.

Quando estiver ouvindo aos ensinamentos, você deve ser como um veado hipnotizado pelo som do vina, de tal forma que não percebe o caçador escondido atirando uma flecha envenenada. Ponha suas mãos juntas e ouça, tendo cada poro de seu corpo em ardência e com seus olhos molhados com lágrimas, nunca permitindo qualquer outro pensamento atravessar o caminho.
Não é bom ouvir somente com o corpo fisicamente presente, enquanto sua mente se desconecta, vagueando atrás dos pensamentos e sua palavra fica solta envolvida com rios de fofoca, falando o que gosta e olhando para tudo ao redor. Quando estiver ouvindo a ensinamentos, você deve até mesmo parar de recitar mantras e orações, ou quaisquer outras atividades meritórias que você possa estar fazendo.
Após ter ouvido apropriadamente a um ensinamento como foi ensinado, é então também importante que se retenha o significado daquilo que foi dito sem esquecimento, e continuamente pô-lo em prática. Pois, como o próprio Grande Sábio disse:

Eu mostrei para vocês os métodos
Que conduzem à liberação.
Mas vocês precisam saber
Que a liberação depende de vocês mesmos.

O professor dá instruções ao discípulo, explicando como ouvir ao Dharma e como praticá-lo, como abandonar os atos negativos, como executar os atos positivos, e como praticar. Fica por conta do discípulo a lembrança das instruções, sem esquecer nada; pô-las em prática; e realizá-las.
Apenas ouvir ao Dharma, talvez seja de algum benefício por sí só. Mas, a menos que você lembre aquilo que você ouviu, você não terá o menor conhecimento das palavras e nem do significado do ensinamento - o que não diferente de não se ter ouvido nada.
Se você lembrar dos ensinamentos, mas misturá-los com suas emoções negativas, eles nunca serão o Dharma puro. Como o incomparável Dagpo Rinpoche ensina:


A menos que você pratique o Dharma de acordo com o Dharma,
O Dharma transforma-se na causa de renascimentos malignos.

Livre-se de cada pensamento errôneo com respeito ao professor e o Dharma, não critique ou faça o uso errado de seus irmãos espirituais e companheiros, esteja liberto do orgulho e do desprezo, abandone todos os pensamentos maus. Pois todas essas coisas causam renascimentos inferiores.


2.1.2. Os Seis Venenos.

Na Argumentação Bem Explicada é dito:

Orgulho, falta de fé e falta de esforço,
Distrações externas, tensão interna e desencorajamento;
Estas são os seis venenos.

Evite estes seis: orgulhosamente crer-se superior ao professor que está explicando o Dharma, não confiar no mestre e nos seus ensinamentos, fracassar em aplicar a si o Dharma, distrair-se por eventos externos, focar seus cinco sentidos muito intensamente para dentro de sí, e desencorajar-se se, por exemplo, um ensinamento é muito longo.
De todas as emoções negativas, o orgulho e a inveja são as mais difíceis de serem reconhecidas. Por isso, examine sua mente minuciosamente. Qualquer sentimento, mínimo que seja, de que há algo de especial em suas próprias qualidades, espirituais ou materiais, fará você cego às suas próprias faltas e insensível às boas qualidades dos outros. Assim, renuncie ao orgulho e sempre tome um assento mais inferior.
Se você não tiver fé, o acesso ao Dharma está bloqueado. Dos quatro tipos de fé, aspire pela fé que é irreversível (fé vívida, fé desejosa, fé confiante, e fé irreversível).
Seu interesse no Dharma é a base do que você alcançará. Então, dependendo se seu grau de interesse é superior, médio ou inferior, você se tornara praticante superior, médio ou inferior. E se você, de forma nenhuma, estiver interessado no Dharma, não haverá, de forma alguma, resultados. Como um para provérbio diz:

O Dharma não é propriedade de ninguém. Ele pertence àquele que estiver mais interessado.

O próprio Buddha obteve os ensinamentos ao preço de centenas de austeridades. Para obter um simples verso de quatro linhas, ele perfurou buracos em sua própria carne para serem usados como oferta de luzes, preenchendo tais buracos com óleo e colocando neles milhares de pavios acesos. Ele pulou dentro de fossos flamejantes, e perfurou seu corpo com mil pregos (Estes exemplos tirados das histórias das vidas anteriores do Buddha servem para ilustrar o nível do seu comprometimento, e não devem ser tomadas como uma recomendação à prática do ascetismo extremo).

Mesmo que você tenha que enfrentar infernos em chamas ou afiadas lâminas de navalhas,
Busque o Dharma até que morra.

Ouça aos ensinamentos, por essa razão, com grande esforço, ignorando o calor, o frio e todas as outras adversidades.
A tendência da consciência ficar absorta com os objetos dos seis sentidos (a mente é o sexto sentido) é a raiz de todas as alucinações do samsara e a fonte de todos os sofrimentos. É assim como a mariposa morre na chama da vela, pois devido à sua consciência visual é atraída pelas formas; como o cervo é morto pelo caçador por ser atraído pelos sons; como as abelhas são engolidas pelas plantas carnívoras, seduzidas por seu cheiro; como o peixe é pego, com seu paladar o atraindo pelo sabor da isca; como os elefantes afundam no pântano pelo prazer da sensação física causada pela lama. Da mesma forma, sempre que você ouvir ao Dharma, a um ensinamento, quando meditar ou praticar, é importante não seguir as tendências do passado, não sonhar sobre o futuro e não permitir que seus pensamentos daquele momento sejam distraídos por nada ao seu redor. Como Gyalse Rinpoche ensina:

Suas alegria e dores do passado são como desenhos sobre a água:
Nenhum traço deles permanece. Não corra atrás deles!
Mas, caso eles surjam em sua mente, reflita como o sucesso e o fracasso vêm e vão.
Há qualquer outro objetivo no Dharma, recitadores de mani?

Seus projetos e planos para o futuro são como redes (de pesca) lançadas no leito de um rio seco:
Eles nunca te darão o que você quer. Limite seus desejos e aspirações!
Mas, caso eles surjam em sua mente, pense o quão incerto isso será quando você morrer.
Vocês conseguem tempo para qualquer outra coisa além do Dharma, recitadores de mani?

Seus trabalho presente é como um serviço em um sonho.
Uma vez que todos tais esforços são sem objetivos, lance-os a parte.
Considere até mesmo seus vencimentos honestos sem qualquer apego.
As atividades são sem essência, recitadores de mani!

Entre as sessões de meditação, aprenda a controlar dessa forma todos os pensamentos surgindo dos três venenos;
Até que todos os pensamentos e percepções surjam como o dharmakaya,
Isto é indispensável - lembrar sempre que você precisar,
Não dê rédeas aos pensamentos iludidos, recitadores de mani!

Também é dito:

Não convide o futuro. Se você o convidar,
Você é como o pai da Lua Famosa!

Isto refere-se à história de um homem pobre que achou um grande monte de cevada. Ele colocou tudo em um grande saco, pendurou na viga de uma casa, e deitou-se bem debaixo e começou a sonhar acordado.
"Esta cevada vai fazer-me uma pessoa bem rica", ele pensou. "Uma vez rico, eu vou conseguir uma esposa... ela vai ter um menino... Como vou chamá-lo?"
Foi naquele momento que a lua apareceu, e ele decidiu chamar seu filho de Lua Famosa. Contudo, durante todo o tempo um rato estava roendo a corda que segurava o saco de cevada. A corda subitamente partiu-se com um estalo, o saco caiu sobre o homem e ele morreu.
Tais sonhos sobre o passado e o futuro nunca se realizarão, e são apenas uma distração. Abandone todos eles. Seja atento e ouça com atenção e cuidado.
Não focalize muito intensamente, escolhendo palavras individuais ou partes, como um urso dremo desencavando marmotas - toda vez que você lança mão de um item, você esquece o anterior, e nunca consegue compreender o todo. Muita concentração também leva à sonolência. No lugar disso, mantenha um balanço entre o rigor e a frouxidão.
Uma vez, no passado, Ananda estava ensinando Shrona a meditar. Shrona estava tendo muita dificuldade para compreender da forma correta. Algumas vezes ele ficava muito tenso, noutras vezes, muito relaxado. Shrona decidiu discutir o assunto como o Buddha, o qual perguntou a ele:
"Quando você era um leigo, você era um bom tocador de vina, não era?"
"Sim, eu tocava muito bem."
"Sua vina soava melhor quando as cordas estavam muito frouxas ou quando elas estavam muito esticadas?"
"O instrumento soava melhor quando as cordas não estavam nem muito esticadas, e nem muito frouxas."
"É o mesmo para sua mente," disse o Buddha; e praticando com aquele conselho Shrona alcançou o seu objetivo.
Machik Labdrön diz:

Esteja firmemente concentrado e vagamente relaxado:
Aqui está um ponto essencial para a Visão.




Não deixe sua mente ficar muito tensa ou muito concentrada internamente; deixe seus sentidos estarem naturalmente à vontade, equilibrada entre a tensão e o relaxamento.
Você não deve cansar-se de ouvir aos ensinamentos. Não se sinta desencorajado quando ficar com fome ou sede durante um ensinamento, que continua por muito tempo, ou quando você tiver que enfrentar desconforto causado pelo vento, sol, chuva e etc. Simplesmente fique feliz por você ser detentor nesse momento das liberdades e vantagens da vida humana, por você ter encontrado um professor autêntico, e por você ser capaz de ouvir às suas instruções profundas.
O fato de que você está neste momento ouvindo ao Dharma profundo é o fruto de méritos acumulados durante inumeráveis kalpas. É como se por toda sua vida você só conseguisse comer uma única refeição num espaço de tempo em que 100 refeições deveriam ser feitas. Assim, é imperativo que se ouça com alegria, fazendo votos de suportar o calor, o frio e quaisquer provações e dificuldades que possam surgir, a fim de se receber estes ensinamentos.


2.1.3. As Cinco Formas Erradas de se Lembrar.

Evite lembrar as palavras, mas esquecer o significado,
Ou lembrar o significado, mas esquecer as palavras.
Evite lembrar ambos, sem ter compreensão,
Lembrar fora de ordem, ou lembrar incorretamente.

Não dê importância indevida a formas elegantes de discursos, sem fazer qualquer tentativa de analisar o significado profundo das palavras, como uma criança coletando flores. As palavras somente não são de benefício para a mente. Por outro lado, não desconsidere a forma na qual os ensinamentos são expressados, como sendo apenas palavras e por isso dispensáveis. Pois, mesmo que você lembre o significado profundo, você não mais terá os meios através dos quais expressar os ensinamentos. As palavras e os significados terão perdido sua conexão.
Se você lembrar dos ensinamentos sem identificar os diferentes níveis - o significado oportuno, o significado real e o significado indireto - você ficará confuso quanto às palavras a serem utilizadas. Isto pode te conduzir para longe do Dharma verdadeiro. Se você lembrar fora de ordem, você vai misturar a seqüência apropriada do ensinamento, e cada vez que você ouvir, explicar ou meditar no ensinamento, a confusão será multiplicada. Se você lembrar incorretamente o que foi dito, idéias errôneas sem fim proliferarão. Isto estragará sua mente e degradará o Dharma. Evite todos esses erros e lembre cada ponto - as palavras, o significado e a ordem dos ensinamentos - sem qualquer erro.
Mesmo que o ensinamento seja longo e difícil, não sinta-se desencorajado, e considere que haverá um fim; persevere. E mesmo que o ensinamento seja simples e curto, não o desvalorize como sendo algo elementar.


2.2. O QUE FAZER.

A conduta a ser adotada enquanto se ouve aos ensinamentos é explicada como as quatro metáforas, as seis perfeições transcendentes, e outros modos de conduta.


2.2.1. As Quatro Metáforas.

O Sutra Disposto como uma Árvore ensina:

Oh Nobre, você deve pensar de ti mesmo como alguém que está doente,
Do Dharma como o remédio,
Do amigo espiritual como um médico habilidoso
E da prática da diligência como o forma de recuperar-se.

Nós estamos doentes. Desde tempos sem começo, neste imenso oceano de sofrimento que é o samsara, somos constantemente atormentados pela doença dos três venenos e seus frutos, os três tipos de sofrimento.
Quando as pessoas ficam seriamente enfermas, elas vão consultar um bom médico. Elas seguem a orientação médica, tomam quaisquer remédios que ele prescreva, e fazem de tudo para superarem a doença e sentirem-se bem. Da mesma forma, vocês precisam curarem-se das doenças do carma, das emoções negativas e dos sofrimentos, seguindo as prescrições do médico experiente, o autêntico professor, e tomando o remédio do Dharma.
Seguir um professor sem fazer o que ele ensina é como desobedecer seu médico, o que tira dele qualquer chance de tratar sua doença. Não tomar o remédio do Dharma - isto é, não pô-los em prática - é como ter diversos medicamentos e orientações debaixo de sua cama sem nunca tocá-los. Isso fará que sua doença nunca seja curada.
Nestes dias, as pessoas dizem cheias de otimismo: "Lama, olhai-me com compaixão!" achando que mesmo que elas façam coisas terríveis, elas nunca padecerão as conseqüências. Eles crêem que o professor, e sua compaixão, os arremessará para os reinos celestes como se ele estivesse lançando uma pedra. Contudo, quando falamos do professor nos mantendo em sua compaixão, o que isso realmente significa é que ele amorosamente nos aceita como seus discípulos, e que ele nos dá suas instruções profundas, abre nossos olhos para o que fazer e o que não fazer, mostra-nos o caminho para a liberação ensinado pelo Conquistador. Que maior compaixão poderia haver? Depende de nós se aproveitamos ou não de tal compaixão, e verdadeiramente buscamos o caminho da liberação.
Agora que nós temos este nascimento humano livre e bem-dotado, agora que nós sabemos o que devemos e não devemos fazer, nossa decisão neste momento crucial, quando temos a liberdade de escolha, sinaliza aquele ponto de mudança que determinará nossa sorte, para melhor ou para pior para o futuro. É crucial que nós escolhamos entre o samsara e o nirvana de uma vez por todas, e que coloquemos as instruções de nosso professor em prática.
Aqueles que celebram as cerimônias nos vilarejos farão com que você acredite que no seu leito de morte, você ainda pode subir ou descer, como se você estivesse conduzindo um cavalo pelas rédeas. Contudo, naquele momento, a menos que você tenha dominado o caminho, os ventos violentos de suas ações passadas te perseguirão, enquanto diante de ti uma escuridão negra avança rapidamente em sua direção, a medida em que você é levado impotentemente pelo caminho longo e perigoso do estado intermediário. Os inumeráveis carrascos do Senhor da Morte te perseguirão gritando: "Mata! Mata! Bate! Bate! Como poderia em tal momento - quando não há lugar nenhum para se correr ou para se esconder, nenhum refúgio e nenhuma esperança, quando você está desesperado e sem ter a menor idéia do que fazer - como poderia em tal momento ser um ponto de mudança ao seu controle? Como o Grande de Uddiyana diz:

Quando o "empowerment" está sendo dado à carta onde lê-se o seu nome,
é muito tarde ! Sua consciência, já vagueando no estado intermediário
como um cachorro maluco, vai achar muito difícil pensar sobre reinos superiores.

De fato, o ponto de mudança, o único momento que você pode realmente direcionar-se para cima ou para baixo como estivesse conduzindo um cavalo pelas rédeas, é agora, enquanto você ainda está vivo
Como um ser-humano, seus atos positivos são mais poderosos do que aqueles dos outros tipos de seres. Isto dá a você, por outro lado, uma oportunidade aqui e agora, nesta exata vida, de abandonar o ciclo de renascimento de uma vez por todas. Mas seus atos negativos também são mais poderosos também; assim também é muito provável, por outro lado, que você nunca se liberte das profundezas dos reinos inferiores. Assim, agora que você encontrou um professor, um médico habilidoso, e o Dharma, o elixir que subjuga a morte, este é o momento de utilizarmos as quatro metáforas, colocando o que você ouviu em prática, e trilhando o caminho da liberação.
O Tesouro de Preciosas Qualidades descreve quatro noções erradas que devem ser evitadas, as quais são o oposto das quatro metáforas que nós mencionamos:
Homens de língua curta com tendências malignas
Aproximam-se do professor como se ele fosse um almiscareiro.
Após terem extraído o almíscar, o perfeito Dharma,
Cheios de alegria, desdenham a samaya (laços sagrados entre professor e discípulos, e também entre os discípulos).

Tais pessoas comportam-se como se seu professor espiritual fosse um almiscareiro, o Dharma o almíscar, e eles próprios como os caçadores, e a prática intensa a forma de matar o almiscareiro com um flecha ou armadilha. Eles praticam os ensinamentos que receberam e não sentem qualquer gratidão para com o professor. Eles usam o Dharma para acumularem atos malignos, amarrando ao redor de seus próprios pescoços a pedra que vai arrastá-los para baixo, para as profundezas dos reinos inferiores.


2.2.2. As Seis Perfeições Transcendentes.

No Tantra da Completa Compreensão das Instruções sobre Todas as Práticas Dhármicas, é dito:

Faça ofertas excelentes, tais como flores e almofadas,
Coloque o lugar em ordem e controle seu comportamento,
Não cause mal nem mesmo a um inseto,
Tenha fé genuína em seu professor,
Ouça às suas instruções sem distração
E faça perguntas a ele para dissipar suas dúvidas;
Estas são as seis perfeições transcendentes.

Um pessoa ouvindo aos ensinamentos deve praticar as seis perfeições transcendentes, como se segue:
Prepare o assento do professor, disponha almofadas sobre o assento, ofereça uma mandala, flores e outras ofertas. Isto é a prática da generosidade.
Varra o local ou cômodo, depois assente a poeira com água, e refreie-se contra quaisquer atitudes desrespeitosas . Isto é a prática da disciplina.
Evite causar mal até mesmo ao menor dos insetos, e suporte calor, frio e quaisquer outras dificuldades. Isto é a prática da paciência.
Coloque de lado quaisquer visões errôneas concernentes ao professor e ao ensinamento, e ouça alegremente com fé genuína. Isto é a prática da diligência.
Ouça às instruções do Lama sem distrair-se. Isto é a prática da concentração.
Faça perguntas para dissolver quaisquer faltas de convencimento e dúvidas. Isto é a prática da sabedoria.


2.2.3. Outros Modos de Conduta.

Todas as formas de comportamento desrespeitoso deve ser evitado. O Vinaya diz:

Não ensine àqueles que não têm respeito,
Àqueles que cobrem suas cabeças mesmo estando em bom estado de saúde,
Àqueles que carregam porretes, armas e sombrinhas
Ou àqueles cuja cabeças estão embrulhadas em turbantes.

E os Jatakas:

Tome o assento mais baixo.
Cultive o comportamento digno da disciplina completa.
Com seus olhos transbordando de felicidade,
Sorva as palavras como um néctar
E esteja completamente concentrado.
Esta é a forma de ouvir-se aos ensinamentos.


II. OS ENSINAMENTOS EM SI: UMA EXPLICAÇÃO DE COMO É DIFÍCIL OBTER ÀS LIBERDADES E VANTAGENS (de um precioso nascimento humano).

O assunto principal do capítulo é explicado em quatro seções: refletindo na natureza da liberdade, refletindo nas vantagens particulares relacionadas ao Dharma, refletindo em imagens que mostram o quanto é difícil se obter as liberdades e vantagens, e refletindo em comparações numéricas.

1. Refletindo na natureza da liberdade. (liberdade: não escravo ou sob o controle de outrem; condição de estar livre, sem restrições).

Em geral, aqui, "liberdade" significa ter a oportunidade de praticar o Dharma, e não ter nascido em um dos oito estados sem tal oportunidade. "Falta de liberdade" refere-se àqueles oito estados onde não há tal oportunidade:

Nascer nos infernos, no reino dos pretas,
(nascer) como um animal, um deus de vida longa ou um bárbaro,
(nascer) tendo visões errôneas, nascer quando não há um Buddha
ou nascer surdo e mudo; estes são os oito estados sem liberdade.




Os seres nascidos nos infernos não têm oportunidade de praticar o Dharma por eles estarem constantemente atormentados pelo calor e frio intensos.
Os pretas não têm a oportunidade de praticar o Dharma por sofrerem a experiência da fome e da sede.
Os animais não têm oportunidade de praticar o Dharma por estarem sujeitos a escravidão e sofrerem ataques de outros animais.
Os deuses de longa vida não têm oportunidade de praticar o Dharma por passarem seu tempo em um estado de vazio mental.
Aqueles nascidos nos países fronteiriços (longe de um local onde se ensina o Dharma) não têm a oportunidade de praticarem o Dharma devido a doutrina do Buddha ser desconhecida em tais locais.
Aqueles que nascem como tirthikas (praticante de uma religião não-budista ou de uma tradição filosófica que detenham visões errôneas) ou com visões errôneas similares, não têm a oportunidade de praticar o Dharma por suas mentes estarem tão influenciadas por tais crenças equivocadas.
Aqueles nascidos durante um kalpa escuro não têm oportunidade de praticarem o Dharma por nunca terem ouvido sobre as Três Jóias, e por não poderem distinguir o bom do mau.
Aqueles nascidos mudos ou mentalmente deficientes não têm a oportunidade de praticar o Dharma por suas faculdades serem incompletas.

Os habitantes dos três reinos inferiores de existência sofrem com o calor, o frio, a fome, a sede e outros tormentos, os quais são o resultado de seus atos negativos do passado; eles não têm a oportunidade de praticar o Dharma.
"Bárbaros" significa aqueles que vivem nos trinta e dois países fronteiriços, tais como o Lokatra, e todos aqueles que consideram causar o malefício dos outros como um ato de fé, ou aqueles selvagens que crêem que matar é bom. Estas pessoas os territórios remotos, têm a forma humana, mas suas mentes carecem da orientação correta e sintonizarem-se com o Dharma. Herdando, de seus ancestrais, tais costumes perniciosos, tais como casamento com a própria mãe, eles vivem de uma forma extremamente oposta à prática do Dharma. Tudo que eles fazem é maligno, e é nas técnicas de tais atividades prejudiciais, como matar insetos e caçar animais, que eles de fato se excedem. A maioria deles caem nos reinos inferiores logo após morrerem. Para tais pessoas não há oportunidade de praticar o Dharma.
Os deuses de longa vida são aqueles deuses que estão absorvidos em um estado de vazio mental. Os seres nascem neste reino como resultado de crerem que a liberação é um estado no qual todas as atividades mentais, boas e ruins, estão ausentes, e de meditarem neste estado. Eles permanecem em tais estados de concentração por vários kalpas a fio. Mas uma vez que o efeito dos atos do passado que produziram a condição divina tenha se exaurido, eles renascem nos reinos inferiores devido às suas visões errôneas. Eles também carecem da oportunidade de praticarem o Dharma.
O termo "visões errôneas" inclui, de forma geral, as crenças eternalistas e niilistas, as quais são visões contrárias e estranhas ao ensinamento do Buddha. Tais visões estragam nossas mentes e nos impedem de aspirarmos pelo autêntico Dharma, na medida em que não mais temos a oportunidade praticá-lo. Aqui no Tibet, devido ao segundo Buddha, Padmasambhava de Uddiyana, confiou a proteção da terra às doze Tenma (doze divindades femininas locais que tomaram o voto, na presença de Padmasambhava, de protegerem o Dharma), os tirthikas não puderam ainda se estabelecer. Contudo, qualquer um, cujo entendimento seja como o dos tirthikas, e contrários àquele dos autênticos Dharma e Mestres, serão, desse modo, privados da oportunidade de praticarem de acordo com os ensinamentos verdadeiros do Buddha. O monge Sunakshatra passou vinte e cinco anos como assistente pessoal do Buddha, e mesmo assim, por ele não ter nem um pouco de fé e manter em si visões errôneas, terminou renascendo como um preta em um jardim.
Nascimento em um kalpa escuro significa renascer em um período durante o qual não haja um Buddha. Em um universo onde nenhum Buddha tenha aparecido, onde ninguém nunca sequer ouviu sobre as Três Jóias. Como não há Dharma, não há qualquer oportunidade de praticá-lo.
A mente de uma pessoa nascida surda e muda não pode funcionar apropriadamente (Patrul Rinpoche viveu entre 1808-1887, e estava retransmitindo, conforme os conhecimentos locais e da época, uma tradição muito antiga) e o processo de audição, de ser exposto a eles, de refletir neles e pô-los em prática está impedido. A descrição surdo-mudo normalmente refere-se a uma disfunção da palavra. Isso torna-se em uma condição sem a oportunidade do Dharma, quando a habilidade de uso ou compreensão da linguagem está ausente. Esta categoria, por essa razão, inclui aqueles cuja deficiência mental os fazem incapazes de compreender aos ensinamentos, e dessa forma os impede da oportunidade de praticá-los.


2. Refletindo nas vantagens particulares relacionadas ao Dharma.

Sob esse título estão incluídos cinco vantagens individuais e cinco vantagens circunstanciais.



2.1. AS CINCO VANTAGENS INDIVIDUAIS.

Nagarjuna as lista da seguinte forma:

Nascer humano, em um local central, com todas as faculdades,
Sem um estilo de vida conflitante e com fé no Dharma.

Sem uma vida humana não seria possível nem mesmo encontrarmos o Dharma. Assim, este corpo humano é a vantagem do suporte.
Tivéssemos nascido em um local remoto, onde o Dharma nunca tivesse sido ouvido, nós nunca o teríamos encontrado. Mas a região onde você nasceu é central, no que diz respeito ao Dharma, e você tem a vantagem do local.
Não ter todos os seus sentidos e faculdades intactas seria um obstáculo para prática do Dharma. Se você está livre de tais deficiências, você tem a vantagem de possuir os sentidos e faculdades.
Se você tivesse um estilo de vida conflitual, você estaria continuamente imerso em ações negativas e distante do Dharma. Uma vez que você presentemente tem o desejo de ter atos positivos, isto é a vantagem da intenção.
Se você não tivesse fé nos ensinamentos do Buddha, você não teria qualquer inclinação pelo Dharma. Ter a habilidade de voltar sua mente para o Dharma, da forma com você está fazendo agora, constitui a vantagem da fé.
Devido a estas cinco vantagens necessitarem estar completas com relação a índole do indivíduo, elas são chamadas de cinco vantagens individuais.
Para realizarmos a verdadeira natureza do Dharma autêntico, é absolutamente necessário ser um ser-humano. Agora, suponha que você não tenha o suporte de uma forma humana, mas tenha a forma mais elevada de vida dos três reinos inferiores de existência, isso é, a forma de um animal - digamos o mais belo e mais premiado animal conhecido pelo homem. Se te dissessem: "diga Om Mani Peme Hung uma vez, e você se tornará um Buddha", você seria totalmente incapaz de compreender tais palavras ou perceber o seu significado, nem mesmo seria capaz de pronunciar uma palavra. De fato, mesmo se você estivesse morrendo devido ao frio, você não seria capaz de pensar em algo, a não ser deitar sobre um monte de folhas - ao passo que um ser-humano, não importa o quanto fraco esteja, saberia como abrigar-se em uma caverna ou debaixo de uma árvore, juntaria madeira e faria uma fogueira para aquecer seu rosto e mãos. Se os animais são incapazes até mesmo de coisas tão simples, como poderiam eles conceber a prática do Dharma?
Os deuses e outros seres do gênero, embora superiores em sua forma física, não reúnem as exigências colocadas para tomar-se os votos de praimoksha, e por isso não conseguem assimilar o Dharma em sua totalidade.

Quanto ao que se quer dizer por "região central", devemos distingüir entre uma região geograficamente central e um lugar que é central em termos do Dharma.
Geograficamente falando, a região central é geralmente chamadas de o Assento Vajra em Bodh Gaya (referindo-se ao local sobre o qual o Buddha sentava quando atingiu a iluminação. É considerado como o centro do mundo) na Índia, ao centro de Jambudvipa, o Continente do Sul. Os mil Buddhas do Bom Kalpa, todos alcançarão a iluminação lá. Mesmo na destruição universal no final do kalpa, os quatro elementos não poderão causar danos ao local, e permanecerá lá como se suspenso no espaço. No seu centro ergue-se a Árvore da Iluminação. Este lugar, com todas as cidades da Índia ao redor, é por essa razão considerada a região central em termos geográficos.
Em termos dhármicos, um local central é onde quer que o Dharma - os ensinamentos do Senhor Buddha - existe. Todas as outras regiões são chamadas periféricas.
Em um passado distante, no tempo em que o Senhor Buddha veio a este mundo, e durante o tempo em que suas doutrinas ainda existiam na Índia, aquela terra era central tanto em termos geográficos como Dhármicos. Contudo, agora que o local caiu nas mãos dos tirthikas e a doutrina do Conquistador desapareceu daquela região, no que diz respeito ao Dharma, até mesmo Bodh Gaya é um local periférico.
Nos dias do Buddha, o Tibet, o País das Neves, era chamado de "o país fronteiriço do Tibet", pois era uma terra pouco povoada, na qual a doutrina não tinha ainda se espalhado. Mais tarde, a população aumentou pouco a pouco, e lá reinaram diversos reis que eram manifestações dos Buddhas. O Dharma primeiro surgiu no Tibet durante o reino de Lha-Thothori Nyentsen, quando o Sutra dos Ritos de Renúncia e Realização e uma forma de tsa-tsa caíram sobre o telhado do palácio.
Cinco gerações mais tarde, de acordo com profecias que ele entenderia o significado do sutra, surgiu o Rei do Dharma Songtsen Gampo, uma emanação do Sublime Compassivo (Avalokiteshvara, Tcherenzig - o Buddha da Compaixão). Durante o reinado de Songtsen Gampo, o tradutor Thönmi Sambhota foi enviado à Índia para estudar suas línguas e escritas. Quando retornou, ele introduziu um alfabeto ao Tibet pela primeira vez. Ele traduziu para o tibetano os vinte um sutras e tantras de Avalokiteshvara, O Segredo Poderoso e vários outros textos. O próprio rei se manifestava de múltiplas formas, e juntamente com seu ministro Gartongtsen, ele usava meios milagrosos para defender o país. Ele tomou, como rainhas, duas princesas, uma chinesa e uma do Nepal, as quais trouxeram consigo numerosas representações do corpo, da palavra e mente do Buddha, incluindo as estátuas chamadas de Jowo Mikyö Dorje e o Jowo Shakyamuni (*) representantes em si do Buddha. O rei construiu os grupos de tempos conhecidos como Thadul e Yangdul, dos quais o central era o Rasa Trulnang. Desta forma ele estabeleceu o Buddhismo no Tibet.
(*) A princesa Wen-Ch'eng Kung-Chu, Kongjo para os tibetanos, era a filha do imperador T'ai-tsung. A estátua que ela trouxe, chamada Jowo Mikyö Dorje, era de Shakyamuni Buddha quando tinha doze anos, e tinha sido presenteada ao imperador chinês por um rei budista de Bengala; o templo Ramoche foi construído em 641 para abrigar a estátua. A rainha Tritsun era filha do rei nepalês Amsuvarman, e a estátua que ela trouxe, chamada Jowo Shakyamuni, era do Buddha Shakyamuni quando tinha oito anos, e é o famoso Jowo Rinpoche no Rasa Trulnang (Jokhang).
Seu quinto sucessor, Rei Trisong Detsen, convidou cento e oito pânditas para o Tibet, incluindo Padmasambhava, o Preceptor de Uddiyana, o maior dos detentores de mantra, inigualável por todos os três mundos. Para representar a forma do Buddha, Trisong Detsen mandou construir templos, incluindo o Samye "imutável, espontaneamente surgido". Para representar a palavra do Buddha, o autêntico Dharma, cento e oito tradutores, incluindo o grande Vajrotsana, aprenderam a arte de traduzir e traduziram todos os principais sutras, tantras e shastras (comentários sobre os ensinamentos do Buddha), na ocasião correntes na nobre terra da Índia. Os "Sete Homens para Testar" e outros foram ordenados monges, formando a Sangha, para representar a mente do Buddha.
Daquele época em diante, até o presente momento, os ensinamentos do Buddha têm brilhado como o sol no Tibet, e, apesar dos altos e baixos, a doutrina do Conquistador nunca se perdeu em quaisquer dos seus aspectos, transmissão ou realização. Dessa forma, o Tibet, no que diz respeito ao Dharma é um país central.
Uma pessoa, carecendo de quaisquer um dos cinco sentidos ou de suas faculdade não satisfaz as exigências impostas para tomar os votos monásticos. Além disso, alguém que não tenha a boa sorte de ser capaz de as representações do Conquistador para inspirar sua devoção, ou ler e ouvir os ensinamentos preciosos e excelentes como material para estudo e reflexão, não será totalmente capaz de receber o Dharma.
"Estilo de vida conflitual" refere-se , estritamente falando, aos estilos de vida ou à pessoas nascidas em comunidades de caçadores, prostitutas e assim por diante, que estão envolvidas nestas atividades negativas desde a mais tenra idade. Mas de fato, inclui qualquer cujos pensamentos, palavras e atos são contrários ao Dharma - pois mesmo aqueles que não nasceram em tais estilos de vida podem facilmente cair neles mais tarde na vida. Por isso é fundamental que evitemos fazer qualquer coisa que conflitue com o Dharma autêntico.
Se sua fé não está nos ensinamentos do Buddha, mas nos deuses poderosos, nos nagas e assim por diante, ou em outras doutrinas como às dos tirthikas, então, não importa quanta fé você possa colocar neles, nenhum deles pode te proteger contra os sofrimentos do samsara ou do renascimento nos reinos inferiores. Mas se você tiver uma fé apropriadamente estabelecida nas doutrinas do Conquistador, a qual une transmissão e realização, você é, sem dúvidas, um vaso apropriado para o Dharma verdadeiro. E está é a maior das cinco vantagens individuais.




4. Reflexão sobre comparações numéricas
Quando se consideram os números relativos de diferentes tipos de seres, pode-se apreciar o fato de que nascer humano é uma possibilidade quase inexistente. Como ilustração, diz-se que se os habitantes dos infernos fossem tão numerosos quanto as estrelas do céu noturno, os pretas não seriam mais numerosos do que as estrelas visíveis durante o dia; que, se houvesse tantos pretas quanto há estrelas à noite, haveria apenas tantos animais quanto estrelas há durante o dia.
Diz-se também que há tantos seres no inferno quanto há partículas de pó no mundo inteiro, tantos pretas quanto há partículas de areia no Ganges, tantos animais quanto grãos em um barril de cerveja36 e tantos asuras quanto flocos de neve em uma nevasca – mas que os deuses e os humanos são tão poucos quanto as partículas de pó que se pode empilhar sobre uma unha.
Já é suficientemente raro tomar-se forma como um ser dos reinos superiores, porém mais raro ainda é uma vida humana completa com todas as liberdades e vantagens. Podemos ver por nós mesmos, a qualquer momento, como são poucos os seres humanos, em comparação com os animais. Pensem quantos insetos vivem em um torrão de terra durante o verão, ou quantas formigas em um só formigueiro – é difícil existirem tantos seres humanos no mundo inteiro. Mas mesmo dentro da humanidade, podemos ver que, em comparação com todas as pessoas nascidas nas regiões exteriores onde os ensinamentos nunca apareceram, aqueles nascidos nos lugares em que o Dharma disseminou-se são extremamente raros. E mesmo entre estes, é raro haver mais de um, a cada vez, que tenha todas as liberdades e vantagens.
Tendo em mente todas estas perspectivas, você deve se encher de alegria com o fato de que você realmente tem todas as liberdades e vantagens, completas.

Uma vida humana só pode ser chamada de “preciosa vida humana” quando está completa com todos os aspectos das liberdades e vantagens, e daí por diante ela se torna verdadeiramente preciosa. Porém, enquanto qualquer destes aspectos esteja incompleto, então, por mais extensos que sejam seus conhecimentos, sua instrução e seu talento quanto às coisas ordinárias, você não tem uma preciosa vida humana. Você tem o que se chama de uma vida humana ordinária, simplesmente uma vida humana, vida humana sem sorte, vida humana sem sentido, ou uma vida humana que retorna de mãos vazias. É como não usar uma jóia que realiza os desejos apesar de tê-la nas mãos, ou como regressar de mãos vazias de uma terra cheia de ouro precioso.

Encontrar esta preciosa vida humana
É mais valioso do que encontrar uma jóia preciosa.
Vejam como aqueles que não temem o samsara
Desperdiçam a vida!

Conhecer um mestre perfeito
É mais valioso do que ganhar um reino.
Vejam como aqueles que não têm devoção
Tratam o mestre como tratam a seus iguais!

Receber os votos de Bodhisattva
É mais valioso do que receber o comando de uma província.
Vejam como aqueles que não têm compaixão
Jogam longe os seus votos!

Receber uma iniciação tântrica
É mais valioso do que ser o governador do universo.
Vejam como aqueles que não guardam as samayas
Jogam aos ventos as iniciações!

Ver a natureza real da mente
É mais valioso do que encontrar o Buddha.
Vejam como aqueles que não têm determinação
Vão, à deriva, de volta para a ilusão!

Estas liberdades e vantagens não vêm por acaso ou coincidência. São o resultado de uma acumulação de mérito e sabedoria, construída ao longo de muitos kalpas. Diz o grande erudito Trakpa Gyaltsen:

Esta existência humana livre e favorecida
Não é o resultado de tuas habilidades.
Ela vem do mérito que acumulaste.

Obter-se uma vida humana apenas para se envolver totalmente em atividades más sem a menor noção do Dharma é ser mais inferior que os reinos inferiores. Como disse Jetsun Mila ao caçador Gönpo Dorje:

Diz-se geralmente que é precioso possuir as liberdades e fortunas do nascimento humano,
Mas quando vejo uma pessoa como tu, isto não parece precioso de modo algum.

Nada tem tanto poder de puxar você para baixo, para os reinos inferiores, como a vida humana. O que você faz com ela, agora, neste instante, só depende de você:

Bem usado, este corpo é nossa balsa para a liberdade.
Mal usado, este corpo nos ancora no samsara.
Este corpo segue as ordens tanto para o bem quanto para o mal.

É através do poder de todo o mérito que você acumulou no passado que você obteve agora esta vida humana, completa com suas dezoito liberdades e vantagens. Desprezar a única coisa essencial – o Dharma supremo – e, ao invés dele, só passar a sua vida adquirindo comida e roupa e entregando-se às oito preocupações ordinárias, seria um desperdício inútil destas liberdades e vantagens. Como é ineficaz esperar até que a morte esteja sobre você para, então, bater no peito com remorso! Pois você já terá feito a escolha errada, como diz O Caminho do Bodhisattva:

Se, tendo encontrado estas liberdades,
Eu não praticar o que é bom,
Nada pode ser mais errado;
Nada pode ser mais estúpido!

Esta vida presente, portanto, é o ponto decisivo no qual você pode escolher entre um bem a longo prazo ou um mal a longo prazo. Se você não fizer uso dela agora mesmo e conquistar a cidadela da natureza absoluta dentro do âmbito desta vida, nas vidas futuras será muito difícil obter novamente esta liberdade. Se uma vez você nascer em qualquer das formas de vida dos reinos inferiores, nenhuma idéia do Dharma irá jamais lhe ocorrer. Confuso demais para saber o que fazer ou o que não fazer, você cairá incessantemente mais e mais, em reinos cada vez mais inferiores. Então, ao dizer para si mesmo que agora a hora de fazer um esforço, medite muitas vezes, aplicando os três métodos supremos: comece com o pensamento da bodhicitta, faça a prática em si, sem qualquer conceitualização, e dedique o mérito ao final
Como medida de quanto esta prática verdadeiramente nos convenceu, devemos ser como o Geshe Chengawa, que passou todo o seu tempo praticando e nunca dormia. o Geshe Tönpa disse a ele: “É melhor você descansar, meu filho. Você vai adoecer.”
“Sim, eu devo descansar”, respondeu Chengawa. “Mas quando penso em como é difícil encontrar as liberdades e vantagens que temos, não tenho tempo de descansar.” Ele recitou novecentos milhões de mantras de Miyowa e passou sem dormir toda a sua vida. Devemos meditar até que exatamente este tipo de convicção surja em nossas mentes.
 

Embora eu tenha ganho estas liberdades, sou fraco no Dharma, que é sua essência.
Embora eu tenha ingressado no Dharma, desperdiço tempo fazendo outras coisas.
Abençoe a mim e a seres insensatos como eu,
Para que atinjamos a própria  essência das liberdades e vantagens.