quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NO NATAL


QUE A DOR DE TODOS OS SERES VIVOS SE DESAPAREÇA
QUE EU SEJA O MÉDICO E O REMÉDIO
QUE EU SEJA O ENFERMEIRO DE TODOS OS SERES
ATÉ QUE TODOS SEJAM CURADOS
(SHANTIDEVA)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ENCONTRAMOS O CAMINHO SOB OS NOSSOS PÉS

ENCONTRAMOS O CAMINHO SOB OS NOSSOS PÉS


Por David Schneider


David Schneider nasceu em Kentucky, nos Estados Unidos, filho de pai judeu e de mãe batista. Em 1967 começou a estudar Zen com Phillip Kapleau Roshi e em 1971 conheceu Shunryu Suzuki Roshi que passou a ser seu mestre. Viveu no Centro Zen de São Francisco de 19972 a 1985 e foi ordenado monge. O seu primeiro livro, “Zen de Rua” relata a vida de Issan Dorsey; e o seu segundo livro, “Zen Essencial,” é uma coletânea de poemas.


Em 1985 David foi aceito como discípulo por Trungpa Rinpoche e em 1995 foi nomeado Diretor da organização, Shambhala Europa, por Mipham Rinpoche.


Issan Dorsey, o herói do livro de David Schneider, “Zen de Rua,” costumava dizer, “encontramos o caminho sob os nossos pés,” o que acreditava literalmente. Como é dado o nosso próximo passo: é este o caminho do Buda.


Não me parece possível falar de um caminho no budismo porque quando aludimos a um caminho nos surge uma imagem; um rumo e várias placas de sinalização. Mas o caminho budista é quase sempre invisível. Os textos sagrados explicam que o caminho budista conduz de um estado meditativo apenas visível para o caminhante. Talvez em vez de nos oferecer um caminho o budismo nos ofereça um par de botas para ir onde nos levam mos nossos passos ou para onde nos vejamos compelidos a rumar.


Quando aludimos a um “caminho” está implícita a idéia de rumo, quem sabe mais prazeroso, mais satisfatório ou com um destino incerto; foi o que atraiu a maior parte dos praticantes do budismo: não estávamos satisfeitos com o rumo de nossas vidas e queríamos mudar. Segundo o Buda, é por aí que devemos começar: tomando consciência de que sofremos palmilhando sempre a mesma rota batida.


Contudo, quando interiorizamos o caminho budista nos damos conta de que ele não nos leva a lugar nenhum porque está precisamente sob os nossos pés. Este é o lado simples da questão. As botas budistas são o despojamento e a meditação que nos levam a toda a extensão do mapa espiritual do budismo.


Vamos situar o caminho no esquema tradicional. Num dos primeiros ensinamentos do Buda, no sermão de Benares, ele proclamou as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo. As quatro Nobres Verdades são: a verdade do sofrimento, a verdade da causa do sofrimento, a verdade que podemos encontrar a cessação do sofrimento, e a quarta verdade, o Nobre Caminho Óctuplo—o caminho budista, se é que existe...


As muitas tradições tibetanas, contudo, colocam este caminho num outro lugar: reconhecem que o Nobre Caminho Óctuplo nos conduz à cessação do sofrimento mas também proclamam os Cinco Caminhos. O primeiro, é o Caminho da Acumulação, no qual reunimos as nossas condições: praticamos e acumulando ações meritórias e conhecimentos. A seguir, o Caminho da Unificação, em que são aglutinados os elementos do anterior. O terceiro, o Caminho da Visão ou Compreensão e depois o Caminho da Meditação—este quarto caminho é o Nobre Caminho Óctuplo. O quinto é denominado o Caminho Fim-do-Aprendizado—o que seria um alívio se não constasse de 10 alíneas!


O Nobre Caminho Óctuplo é considerado um dos ensinamentos do Hinayana, a escola dos Anciões, a base de todas as tradições budistas. Pelo ponto de vista do Mahayana e do Vajrayana há quem pense não ser dos mais importantes; um mero primeiro passo a ser assimilado antes da parte suculenta, interessante e sedutora do caminho. Mas é um equívoco!


Na verdade, o Nobre Caminho Óctuplo é válido e verdadeiro por todo o Caminho. É um ensinamento muito profundo e, na medida em que retorna insistente e sempre presente, também um tanto irritante. Mesmo quem o estuda e dedica-se incansavelmente à sua prática; se não o levar sempre em conta, o caminho não transparece. Ainda que se faça uma requintada e elevada prática tântrica a maior parte de nós não a pode sustentar durante o dia—no trem, no ônibus ou numa multidão—tornando indispensável esta prática básica.


O Nobre Caminho Óctuplo se assemelha às fundações de uma casa da qual o Vajrayana é o telhado dourado, mas sem sólidas fundações o telhado assentaria no chão.


O Nobre Caminho Óctuplo é: Pensamento Correto, Intenção ou Compreensão Correta, Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Plena Correta, Concentração Correta. Quando dizemos “correto” não estamos dizendo “correto,” o sentido oposto de “equivocado.” A palavra sânscrita que traduzimos por “correto” é samyak, que quer dizer “completo” ou “inteiro.”


Pensamento Correto ou Pensamento Completo é onde começamos porque o significado de Pensamento Correto é “ausência de pensamento.” É muito importante não ter pensamento porque é a qualidade do caminho sob os nossos pés.


Por exemplo: um amigo telefona para dizer que tem um problema e por ser amigo o escutamos de boa vontade, aliás já estamos acostumados. Começa a falar e logo adivinhamos qual é o problema e de que vai dizer. Não só isso, até sabemos porque aconteceu e mesmo a solução e então nos impacientamos com os detalhes do relato e deixamos de prestar atenção. “Sim.” “Hmmm.” E vamos pensando noutro assunto.


É então que nos afastamos do Pensamento Correto já que, adotando o Pensamento Equivocado, formamos a nossa própria idéia. O seu pensamento pode até, coincidir com o Pensamento Correto, mas também pode não coincidir. Assim, o Pensamento Correto é Ausência de Pensamento: saber ouvir e estar presente, deixar se surpreender. Esta postura é a de não saber onde vai dar o caminho. Não precisamos temer este despojamento, esta qualidade de estarmos plenamente disponíveis, presentes e abertos porque este é o Pensamento Correto. Não oferece muito, pode ser mesmo subtração mais do que uma adição.


Aliás todo o Nobre Caminho Óctuplo é de subtração. Já trazemos toda a nossa incômoda bagagem quando nos sentamos para meditar. O caminho budista é o caminho do despojamento e quase todo de mera subtração.


O segundo, é a Intenção Correta, por vezes traduzido por, Compreensão Correta. Quando interiorizamos o Pensamento Correto e conseguimos simplesmente permanecer no momento presente, optamos por continuar assim; a nossa intenção é de estar presentes. O budismo lida com o corpo, a palavra e a mente e assim, o segundo, terceiro e quarto itens do Caminho Óctuplo estão individualmente associados a uma destas três formas, sendo que a Correta Compreensão está associada à mente.


O terceiro está associado à fala: Fala Correta. Existe uma qualidade da Fala Correta ou Fala Completa que é muito precisa e incisiva. Devido às duas etapas anteriores do Caminho, o Pensamento Correto e a Intenção ou Compreensão Corretas, passamos a estar muito conscientes de tudo o que nos rodeia que se traduz numa fala precisa e correta, expressa apenas o que interessa sem se estender e sem omitir o que quer que seja.


Outra fórmula consagrada é Domínio Correto. Quando lemos os textos sagrados aprendemos que não podemos mentir, tagarelar gerando mal entendidos através da fala. Há muitas formas de considerar o despojamento da fala. Fala não diz respeito apenas ao que é dito mas também a qualquer tipo de relação com o mundo fenomenal. Assim, a forma como nos projetamos no mundo é parte da Fala Correta. Isto não exclui divertimentos ou anedotas, mas sabemos todo o tempo o que estamos fazendo, estando presentes para a nossa fala e também a dos demais: estamos no campo da comunicação, presentes à nossa própria projeção no mundo e à comunicação dos demais conosco.


Segue-se o quarto, a Ação Correta, o papel do corpo e de como agimos. Outra vez temos mais fórmulas consagradas e muitas regras associadas à moralidade, ou como se diz, o certo ou o errado. Acontece que hoje em dia temos acesso a muitas diferentes hierarquias de valores. Numa estante se encontram livres sobre a moralidade da China, do Japão, do Tibet, da Europa Medieval, da América do Sul, dos Índios Americanos, dos Esquimós, etc. Retiramos e folheamos alguns deles (quem medita se dá muitas vezes a este ócio...) Quando nos tornamos sensíveis a esta qualidade “do caminho sob os nossos pés,” folheando estes livros e não deprecamos a sabedoria encontrada ali, tampouco a que se encontra sob os nossos pés.


A leitura, muitas vezes, pode ser uma fuga. “Oh! Dizem que este livro tem coisas interessantes, talvez encontre aqui com que me distrair, uma “consolo” para me ajudar a passar o tempo nesta tarde tristonha.” Ação Correta é estarmos dispostos, firmes e atentos capazes de permanecer na incerteza do momento.




O quinto é, Meio de Vida Correto. Admiro o sentido prático do Buda ao considerar também o Meio de Vida Correto porque mostra que seus ensinamentos são verdadeiramente compassivos que era sensível à realidade de cada um já que muitos de nós ocupamos ao mesmo tempo vários espaços estanques. Por exemplo, posso ter um espaço aqui para a minha prática e outro lá para o meu meio de vida. Fazemos um retiro, ouvimos os ensinamentos e nos sentimos muito bem! Tudo é simples e óbvio, mas depois voltamos para o trabalho num outro espaço estanque e então.... Então é importante lembrar a qualidade samyak, a inteireza ou completude que precisamos adotar no Meio de Vida Correto.


O ensinamento diz que o meio de vida correto é uma parte muito importante da nossa existência, o que mais nos preocupa. Se os relacionamentos do passado, do presente e do futuro não nos preocupam; o dinheiro preocupa. O que diz este ensinamento é que não devemos estar preocupados em “incluir,” porque a nossa espiritualidade não é para ser escamoteada ou aferrolhada num espaço aparte com visitas curtas e intermitentes.


Quando o trabalho é parte da nossa meditação é possível associar o contentamento ao meio de vida. Para estarmos no mundo precisamos trabalhar, não haverá alimento se não houver lavradores. É questão de reconhecer esta nossa dependência e a nossa relação com o mundo para o incluir no nosso processo de conscientização. Não quer dizer que ficando em casa e nutrindo elevados pensamentos filosóficos seja uma opção mais espiritualizada, ou santificada, porque ir à luta e cuidar da terra ou trabalhar numa empresa também é caminho.


O que é interessante é que quando colocamos este enfoque na vida passamos a ser vistos como um tanto.... excêntricos porque parece que estamos nos divertindo ou sempre desfrutando de algo que os outros desconhecem. Há quem se acerque discretamente para perguntar o que é o que é um meio muito propício para difundir a energia da prática.


Mesmo quando não estamos trabalhando precisamos estar conscientes do fato de que não estamos trabalhando ou vamos nos deixar adormecer outra vez pelo ócio. Nos Estados Unidos o ócio assusta porque quem não tem um meio de vida acaba tendo que morar na rua. Já na Europa, o seguro social ampara os desempregados que desfrutam de alguma segurança. Conheço gente que vive bem e por muito tempo apenas com o salário desemprego. Não quer dizer que tenhamos que aceitar uma atividade qualquer, mas o trabalho precisa ser incluído no contexto do nosso desenvolvimento mental.


Esforço Correto ou Energia Correta é o sexto aspecto do Nobre Caminho Óctuplo. Quando permanecemos intensamente no momento presente, encarando as suas múltiplas facetas podemos nos sentir impotentes: estamos perante o que sempre nos intimidou e que requer energia. Quando observamos que determinada situação requer ação tratamos de reunir energia. Não se trata de competir e se outra pessoa está pronta para entrar em ação, tudo bem; aqui consideramos apenas a energia de que necessitamos para levar a cabo a ação.


Será preciso muita energia para sustentar esta visão completa do Caminho; assim, este sexto aspecto nos diz: “Vai em frente! Faz! Anime-se! Troca o rolo de papel higiênico no banheiro, senão ninguém vai trocar!”


Vamos estar conscientes do nosso limite na meditação no que toque a energia e aprender muito sobre o seu caminho, do nosso estilo pessoal, da nossa disposição de reunir, ou não, a nossa energia. É uma faceta muito promissora e exeqüível do Nobre Caminho Óctuplo. Muitas vezes trata-se apenas de permitir esta conscientização. “Será que tenho ânimo/energia para ouvir o que estou ouvindo?” Sim. Tem sim! Não vai acabar com você.


Assim, munidos de energia tomamos o próximo passo. Meditação Correta, também chamada de Plena Atenção Correta ou Relembrar Correto. O relembrar é um aspecto interessante de tudo isto já que nos leva a considerar o que foi feito, o que foi esquecido por nós e pelos outros e trazendo à memória a nossa própria energia e sabedoria. Podemos considerar com satisfação e uma ponta de vaidade, o caminho que percorremos. “Hoje consegui fazer a meditação!” Também é parte do caminho.


O Relembrar Correto é parte importante do caminho porque quando vemos os grandes heróis e heroínas budistas cujos retratos estão diante de nós, lemos as suas histórias de vida e comparamos com as nossas podemos desanimar e achar que jamais iremos tão longe. Constatamos o abismo que existe entre estes nobres mestres e os trapalhões que somos. Então, é bom lembrar que tudo o que os nobres mestres fizeram foi para nós e que os ensinamentos perduram para nós. Viajaram para receber os ensinamentos para nós, escreveram livros para nós, transmitiram os ensinamentos para nós, construíram mosteiros—tudo para nós. Então, animem-se!


O Relembrar Correto ou a Plena Atenção Correta não é apenas uma retrospectiva, é também o desenvolvimento de uma consciência panorâmica. Passamos a estar dispostos a observar o que nos rodeia: a nossa vida, a vida das pessoas que nos cercam... permitimos à nossa mente penetrar estes lugares, observa-los, senti-los.


Resta o aspecto tradicional de estarmos atentos, de unir o nosso corpo e a nossa mente para poder agir com todo o nosso ser. Isto faz lembrar um episódio singelo na vida do Buda. Ele passava por um poço quando uma mulher aproximou-se e pediu que a ensinasse a meditar; então Ele disse: “Quando você estiver tirando a água do poço; tira a água do poço.” É muito simples mas infelizmente hoje em dia tudo nos distrai, poucas pessoas nos animam e algumas nos agridem por estarmos onde estamos.


Pessoalmente sou sensível a relatos. Costumo fazer longas viagens de carro e se ligo o rádio e ouço uma notícia interessante sobre o um acontecimento no deserto, vejo a areia ardente, as ondas de calor na estrada, sinto o cheiro do capim... estou lá. Não importa se estou na estrada dirigindo a 80 km por hora, rodeado de carros que me ultrapassam... não sei como, mas sou transportado para o deserto.


Como pessoas vão para a academia fazer ginástica ou correr na praia e levam o radinho. Querem se manter em forma mas não querem pensar no que estão fazendo; e ainda os telefones celulares presentes em todos os ambientes que tocam e nos obrigam a escutar a conversa.


Hoje em dia é tão fácil sermos transportados para um lugar outro do que o que estamos plantados... enquanto o caminho budista consta de permanecer, corpo e mente, onde quer que estejamos. Qualquer que seja a etapa do caminho budista em que estivermos, permanecemos ali mesmo.


O oitavo é a Concentração Correta. Quando comecei a meditar gostava da idéia de que em qualquer lugar poderia me ligar ao estado de samadhi—que este era o objetivo da meditação—estar ligado durante a meditação e desligado no fim da sessão para depois tratar da vida, mas há 25 anos que tento e não consigo.


Quando se fala de Concentração Correta não é isto que se quer dizer. Samadhi não é um estado de transe em que entramos por uma porta ficamos durante um tempo em êxtase místico, na mais completa e prazerosa paz e saímos por outra, transformados. Claro no budismo existem técnicas, que se forem levadas ao extremo, nos conduzem a este estado de mente; contudo, Concentração Correta quer dizer não entrar neste estado de mente mas presente a tudo o que possa surgir mente. Não quer dizer depurar o conteúdo na mente, mas muito mais permanecer com os seus conteúdos.


Por este ponto de vista pode-se dizer que a meditação profunda não existe. Ouvimos dizer que fulano de tal estava am meditação profunda mas a meditação profunda e a meditação menos profunda são a mesma coisa: o esforço para estar presente a tudo o que surge na mente. Parece ser um processo longo e moroso porque levamos muito tempo a descobrir todos meios de fuga que adotamos. Muitas vezes durante cinco, dez, ou quinze minutos não nos damos conta de que estamos em fuga! Podemos estar recitando um mantra ou fazendo uma prática de visualização, ou simplesmente meditando e subitamente nos damos conta que não estamos presentes.


Uma das palavras tibetanas para meditação é gom, que quer dizer, se familiarizar. Podemos dizer que a meditação é de certa forma uma prática mundana. Não se trata de mudar de lugar—provavelmente não vamos nos sentir rodeados de nuvens cor de rosa e músicos celestiais—mas de ir para a almofada e se familiarizar com quem você é.


O caminho budista trata de fazer apenas isto, uma e outra e outra e outra vez, é muito sutil, e invisível. Mais ninguém saberá se estamos neste caminho, pelo menos por vários anos. A transformação será sempre muito sutil e constará de uma disposição de retornar sempre ao ponto onde estávamos anteriormente e esta disposição, segundo o Buda, é que nos permite esgotar o sofrimento calcado no egoísmo. É esta mesmo disposição que nos conduzirá ao Mahayana e ao Vajrayana porque se aplica a qualquer tipo de meditação ou prática espiritual. Podemos até pensar que estai prática é apenas para principiantes mas Trungpa Rinpoche disse: quanto mais intensa for a nossa capacidade de permanecer plenamente atentos mais elevado será o grau de iluminação.


Publicado na revista View No.8

PATRUL RINPOCHÊ - As palavras do meu perfeito professor





PATRUL RINPOCHÊ: As palavras do meu perfeito professor



As Dificuldades de se obter as liberdades e vantagens

O principal assunto deste capítulo, o ensinamento sobre a dificuldade de se obter as liberdades e vantagens, é precedido por uma explicação sobre a forma apropriada de se ouvir a qualquer instrução espiritual.

I. A FORMA APROPRIADA DE SE OUVIR UM ENSINAMENTO ESPIRITUAL.

A Atitude apropriada de se ouvir os ensinamentos tem dois aspectos: a atitude e a conduta corretas.

1. Atitude

A atitude certa combina a atitude vasta da Bodhicitta, a mente da iluminação, e os vastos meios hábeis do Mantrayana Secreto.

1.1. A VASTA ATITUDE DA BODHICITTA.

Não há um único ser no samsara, este oceano imenso de sofrimento, que no curso de tempos sem começo não tenha sido nosso pai ou mãe. Quando eles foram nossos pais, o único pensamento desses seres era nos criar com a maior bondade possível, protegendo-nos com grande amor e dando-nos o melhor de sua própria comida e vestimenta.
Todos estes seres, que já foram tão bondosos conosco, querem ser felizes, mas eles não têm a menor idéia de como por em prática o que trás a felicidade, os dez atos positivos. Nenhum deles quer sofrer, mas eles não sabem como abandonar os dez atos negativos na raiz de todo o sofrimento. O desejo mais profundo deles e o que eles fazem de fato contradizem um ao outro. Pobres seres, perdidos e confusos, como um homem cego abandonado no meio de uma planície vazia!
Diga a sí próprio: "Será para o bem-estar deles que eu vou ouvir o Dharma profundo e pô-lo em prática. Eu conduzirei todos esses seres, meus pais, atormentados pelas misérias dos seis reinos de existência, para a budeidade onisciente, libertando-os de todos os fenômenos cármicos, padrões de hábitos e sofrimentos de cada um dos seis reinos". É importante que se tenha essa atitude cada vez que você ouvir aos ensinamentos ou praticá-los.
Sempre que você fizer algo positivo, seja de maior ou menor importância, é indispensável aumentar isso através dos três métodos supremos. Antes de começar, desperte a Bodhicitta como um meio hábil que assegurará que o ato vai tornar-se uma fonte benéfica para o futuro. Enquanto executa o ato, evite envolver-se com qualquer conceitualização, de forma que o mérito não seja destruído pelas circunstâncias. No final, sele o ato apropriadamente dedicando o mérito, o que assegurará que o mesmo continuamente crescerá.
A forma como você ouve ao Dharma é muito importante. Contudo, mais importante ainda é a motivação com a qual você o ouve.

O que faz um ato bom ou mau?
Não como ele é visto, nem se ele é grande ou pequeno.
Mas a boa ou má motivação por trás dele.

Não importa quantos ensinamentos você tenha ouvido, estar motivado por preocupações comuns - tais como o desejo de grandeza, fama ou o que quer que seja - não é a forma do Dharma puro. Assim, antes de tudo, é da mais alta importância que se observe o interior e mude sua motivação. Se você puder corrigir sua atitude, os meios habilidosos permearão seus atos positivos, e você terá iniciado o caminho dos grande seres. Se você não puder, você pode até pensar que está estudando ou praticando o Dharma, mas isso não será mais do que uma aparência do daquilo que deveria ser. Por isso, sempre que você ouvir aos ensinamentos ou sempre que você praticar, seja meditando em uma deidade, fazendo prosternações e circumabulações, ou recitando mantras - até mesmo um simples mani - é sempre essencial que faça-se surgir a Bodhicitta.

1.2. OS VASTOS MEIOS HABILIDOSOS: A ATITUDE DO MANTRAYANA SECRETO.

A Lanterna dos Três Métodos fala do Mantrayana Secreto:

Tem o mesmo objetivo, mas é livre de toda confusão,
É rico em métodos e sem dificuldades.
É para aqueles com faculdades aguçadas.
O Veículo do Mantra é sublime.

Pode-se entrar no Mantrayana por muitos caminhos. Ele possui muitos métodos para a acumulação de mérito e sabedoria, e meios habilidosos profundos para fazer o potencial dentro de nós manifestar-se sem termos que nos submeter a grandes austeridades. A base para esse método é a forma que nós direcionamos nossas aspirações:

Tudo é circunstancial
e depende inteiramente da nossa aspiração.

Não considere o lugar onde o Dharma está sendo ensinado, o professor, os ensinamentos e etc, como comuns e impuros. A medida que você ouve, mantenha as cinco perfeições de forma clara na mente:

O lugar perfeito é o refúgio de extensão absoluta, chamado Akanishtha, "O Insuperável". O professor perfeito é Samantabhadra, o dharmakaya. A assembléia perfeita consiste dos bodhisattvas masculinos e femininos e as deidades da linhagem mental dos Conquistadores e da linhagem simbólica dos Vidyadharas.
Ou você pode considerar que o lugar onde o Dharma está sendo ensinado é o Palácio da Luz de Lótus da Montanha Cor de Cobre Gloriosa, o professor que ensina é Padmasambhava de Uddiyana, e nós, a audiência, somos os Oito Vidyadharas, os Vinte e Cinco Discípulos, e os dakas e dakinis.
Ou considere que o lugar perfeito é o Campo Búdico Oriental, Alegria Manifesta, onde o professor perfeito Vajrasattva, o perfeito sambhogakaya, está ensinando a assembléia das divindades da Família Vajra e o Bodhisattvas masculinos e femininos.
Igualmente bem, o lugar perfeito onde o Dharma está sendo ensinado, pode ser o Campo Búdico Ocidental, a Beatitude, o professor perfeito o Buddha Amitaba, e a assembléia dos Bodhisattvas masculinos e femininos, e divindades da família Lótus.
Sempre que for o caso, o ensinamento é aquele do Grande Veículo, e o tempo é a roda sempre giratória do tempo.
Estas visualizações sã para ajudar-nos a compreender como as coisas são na realidade. Não é que estejamos temporariamente criando algo que não existe de fato.
O professor incorpora a essência de todos os Buddhas através dos três tempos. Ele é a união das Três Jóias: seu corpo é a Sangha, sua palavra é o Dharma, sua mente o Buddha. Ele é a união das Três Raízes: seu corpo é o professor, sua palavra o yidam, sua mente as dakini. Ele é a união dos três kayas: seu corpo é o nirmanakaya, sua palavra o sambhogakaya, sua mente o dharmakaya. Ele é a encorporação de todos os Buddhas do passado, fonte de todos os Buddhas do futuro e o representante de todos os Buddhas do presente. Uma vez que ele aceita como seus discípulos seres degenerados como nós, os quais nenhum dos Buddhas do Bom Kalpa poderia ajudar, sua compaixão e bênçãos excede aquela de todos os Buddhas.

O professor é o Buddha, o professor é o Dharma,
O professor é também a Sangha.
O professor é aquele que realiza todas as coisas.
O professor é o Glorioso Vajradhara.

Nós, a assembléia reunida para ouvir aos ensinamentos, usamos nossa própria natureza de Buddha, o suporte da nossa preciosa vida humana, a circunstância de termos um amigo espiritual e o método de seguirmos seus conselhos, para tornarmos os Buddhas do futuro. Como o Hevajra Tantra diz:

Todos os seres são Buddhas,
Mas isto é ocultado pelas impurezas que se acumulam.
Quando suas impurezas são purificadas, a Budeidade é revelada.


2. Conduta.

A conduta correta quando se ouve aos ensinamentos é descrita em termos do que se evitar e do que se fazer.

2.1. O QUE SE EVITAR.

O que se evitar inclui os três defeitos do pote, as seis impurezas e as cinco formas de recordar.

2.1.1. Os Três Defeitos do Pote.

Não ouvir é ser como um pote virado de cabeça para baixo. Não ser capaz de reter o que você ouve é ser como um pote com um buraco. Misturar as emoções negativas com o que você ouve é ser como um pote com veneno.
O pote virado de cabeça para baixo. Quando você estiver ouvindo aos ensinamentos, ouça ao que está sendo dito e não deixe-se estar distraído por mais nada. Doutra forma, você será como um pote de cabeça para baixo, no qual um líquido é lançado. Embora você esteja fisicamente presente, você não ouve uma palavra do ensinamento.
O pote com um buraco. Se você apenas ouvir, sem conseguir lembrar nada do que você ouve ou compreende, você será como um pote com um buraco: não importa quanto líqüido seja lançado nele, nada pode ser retido. Não importa quantos ensinamentos você ouça, você nunca assimila ou os coloca em prática.
O pote contendo veneno. Se você ouvir aos ensinamentos com a atitude errada, tal como o desejo de tornar-se grande e famoso, ou com a mente cheia dos cinco venenos, o Dharma não terá o efeito esperado de ajudar a sua mente; e ele também será transformado em algo que não é, de forma alguma, Dharma, semelhante a um néctar lançado num pote contendo veneno.

Essa é a razão do sábio indiano, Padampa Sangye, ter dito:

Ouça aos ensinamentos como um veado ouvindo música;
Contemple-as como um nômade do norte tosquiando uma ovelha;
Medite neles como um mudo saboreando um alimento;
Pratique-os como um yak faminto comento grama;
Atinja seus resultados como o sol surgindo por detrás das núvens.

Quando estiver ouvindo aos ensinamentos, você deve ser como um veado hipnotizado pelo som do vina, de tal forma que não percebe o caçador escondido atirando uma flecha envenenada. Ponha suas mãos juntas e ouça, tendo cada poro de seu corpo em ardência e com seus olhos molhados com lágrimas, nunca permitindo qualquer outro pensamento atravessar o caminho.
Não é bom ouvir somente com o corpo fisicamente presente, enquanto sua mente se desconecta, vagueando atrás dos pensamentos e sua palavra fica solta envolvida com rios de fofoca, falando o que gosta e olhando para tudo ao redor. Quando estiver ouvindo a ensinamentos, você deve até mesmo parar de recitar mantras e orações, ou quaisquer outras atividades meritórias que você possa estar fazendo.
Após ter ouvido apropriadamente a um ensinamento como foi ensinado, é então também importante que se retenha o significado daquilo que foi dito sem esquecimento, e continuamente pô-lo em prática. Pois, como o próprio Grande Sábio disse:

Eu mostrei para vocês os métodos
Que conduzem à liberação.
Mas vocês precisam saber
Que a liberação depende de vocês mesmos.

O professor dá instruções ao discípulo, explicando como ouvir ao Dharma e como praticá-lo, como abandonar os atos negativos, como executar os atos positivos, e como praticar. Fica por conta do discípulo a lembrança das instruções, sem esquecer nada; pô-las em prática; e realizá-las.
Apenas ouvir ao Dharma, talvez seja de algum benefício por sí só. Mas, a menos que você lembre aquilo que você ouviu, você não terá o menor conhecimento das palavras e nem do significado do ensinamento - o que não diferente de não se ter ouvido nada.
Se você lembrar dos ensinamentos, mas misturá-los com suas emoções negativas, eles nunca serão o Dharma puro. Como o incomparável Dagpo Rinpoche ensina:


A menos que você pratique o Dharma de acordo com o Dharma,
O Dharma transforma-se na causa de renascimentos malignos.

Livre-se de cada pensamento errôneo com respeito ao professor e o Dharma, não critique ou faça o uso errado de seus irmãos espirituais e companheiros, esteja liberto do orgulho e do desprezo, abandone todos os pensamentos maus. Pois todas essas coisas causam renascimentos inferiores.


2.1.2. Os Seis Venenos.

Na Argumentação Bem Explicada é dito:

Orgulho, falta de fé e falta de esforço,
Distrações externas, tensão interna e desencorajamento;
Estas são os seis venenos.

Evite estes seis: orgulhosamente crer-se superior ao professor que está explicando o Dharma, não confiar no mestre e nos seus ensinamentos, fracassar em aplicar a si o Dharma, distrair-se por eventos externos, focar seus cinco sentidos muito intensamente para dentro de sí, e desencorajar-se se, por exemplo, um ensinamento é muito longo.
De todas as emoções negativas, o orgulho e a inveja são as mais difíceis de serem reconhecidas. Por isso, examine sua mente minuciosamente. Qualquer sentimento, mínimo que seja, de que há algo de especial em suas próprias qualidades, espirituais ou materiais, fará você cego às suas próprias faltas e insensível às boas qualidades dos outros. Assim, renuncie ao orgulho e sempre tome um assento mais inferior.
Se você não tiver fé, o acesso ao Dharma está bloqueado. Dos quatro tipos de fé, aspire pela fé que é irreversível (fé vívida, fé desejosa, fé confiante, e fé irreversível).
Seu interesse no Dharma é a base do que você alcançará. Então, dependendo se seu grau de interesse é superior, médio ou inferior, você se tornara praticante superior, médio ou inferior. E se você, de forma nenhuma, estiver interessado no Dharma, não haverá, de forma alguma, resultados. Como um para provérbio diz:

O Dharma não é propriedade de ninguém. Ele pertence àquele que estiver mais interessado.

O próprio Buddha obteve os ensinamentos ao preço de centenas de austeridades. Para obter um simples verso de quatro linhas, ele perfurou buracos em sua própria carne para serem usados como oferta de luzes, preenchendo tais buracos com óleo e colocando neles milhares de pavios acesos. Ele pulou dentro de fossos flamejantes, e perfurou seu corpo com mil pregos (Estes exemplos tirados das histórias das vidas anteriores do Buddha servem para ilustrar o nível do seu comprometimento, e não devem ser tomadas como uma recomendação à prática do ascetismo extremo).

Mesmo que você tenha que enfrentar infernos em chamas ou afiadas lâminas de navalhas,
Busque o Dharma até que morra.

Ouça aos ensinamentos, por essa razão, com grande esforço, ignorando o calor, o frio e todas as outras adversidades.
A tendência da consciência ficar absorta com os objetos dos seis sentidos (a mente é o sexto sentido) é a raiz de todas as alucinações do samsara e a fonte de todos os sofrimentos. É assim como a mariposa morre na chama da vela, pois devido à sua consciência visual é atraída pelas formas; como o cervo é morto pelo caçador por ser atraído pelos sons; como as abelhas são engolidas pelas plantas carnívoras, seduzidas por seu cheiro; como o peixe é pego, com seu paladar o atraindo pelo sabor da isca; como os elefantes afundam no pântano pelo prazer da sensação física causada pela lama. Da mesma forma, sempre que você ouvir ao Dharma, a um ensinamento, quando meditar ou praticar, é importante não seguir as tendências do passado, não sonhar sobre o futuro e não permitir que seus pensamentos daquele momento sejam distraídos por nada ao seu redor. Como Gyalse Rinpoche ensina:

Suas alegria e dores do passado são como desenhos sobre a água:
Nenhum traço deles permanece. Não corra atrás deles!
Mas, caso eles surjam em sua mente, reflita como o sucesso e o fracasso vêm e vão.
Há qualquer outro objetivo no Dharma, recitadores de mani?

Seus projetos e planos para o futuro são como redes (de pesca) lançadas no leito de um rio seco:
Eles nunca te darão o que você quer. Limite seus desejos e aspirações!
Mas, caso eles surjam em sua mente, pense o quão incerto isso será quando você morrer.
Vocês conseguem tempo para qualquer outra coisa além do Dharma, recitadores de mani?

Seus trabalho presente é como um serviço em um sonho.
Uma vez que todos tais esforços são sem objetivos, lance-os a parte.
Considere até mesmo seus vencimentos honestos sem qualquer apego.
As atividades são sem essência, recitadores de mani!

Entre as sessões de meditação, aprenda a controlar dessa forma todos os pensamentos surgindo dos três venenos;
Até que todos os pensamentos e percepções surjam como o dharmakaya,
Isto é indispensável - lembrar sempre que você precisar,
Não dê rédeas aos pensamentos iludidos, recitadores de mani!

Também é dito:

Não convide o futuro. Se você o convidar,
Você é como o pai da Lua Famosa!

Isto refere-se à história de um homem pobre que achou um grande monte de cevada. Ele colocou tudo em um grande saco, pendurou na viga de uma casa, e deitou-se bem debaixo e começou a sonhar acordado.
"Esta cevada vai fazer-me uma pessoa bem rica", ele pensou. "Uma vez rico, eu vou conseguir uma esposa... ela vai ter um menino... Como vou chamá-lo?"
Foi naquele momento que a lua apareceu, e ele decidiu chamar seu filho de Lua Famosa. Contudo, durante todo o tempo um rato estava roendo a corda que segurava o saco de cevada. A corda subitamente partiu-se com um estalo, o saco caiu sobre o homem e ele morreu.
Tais sonhos sobre o passado e o futuro nunca se realizarão, e são apenas uma distração. Abandone todos eles. Seja atento e ouça com atenção e cuidado.
Não focalize muito intensamente, escolhendo palavras individuais ou partes, como um urso dremo desencavando marmotas - toda vez que você lança mão de um item, você esquece o anterior, e nunca consegue compreender o todo. Muita concentração também leva à sonolência. No lugar disso, mantenha um balanço entre o rigor e a frouxidão.
Uma vez, no passado, Ananda estava ensinando Shrona a meditar. Shrona estava tendo muita dificuldade para compreender da forma correta. Algumas vezes ele ficava muito tenso, noutras vezes, muito relaxado. Shrona decidiu discutir o assunto como o Buddha, o qual perguntou a ele:
"Quando você era um leigo, você era um bom tocador de vina, não era?"
"Sim, eu tocava muito bem."
"Sua vina soava melhor quando as cordas estavam muito frouxas ou quando elas estavam muito esticadas?"
"O instrumento soava melhor quando as cordas não estavam nem muito esticadas, e nem muito frouxas."
"É o mesmo para sua mente," disse o Buddha; e praticando com aquele conselho Shrona alcançou o seu objetivo.
Machik Labdrön diz:

Esteja firmemente concentrado e vagamente relaxado:
Aqui está um ponto essencial para a Visão.




Não deixe sua mente ficar muito tensa ou muito concentrada internamente; deixe seus sentidos estarem naturalmente à vontade, equilibrada entre a tensão e o relaxamento.
Você não deve cansar-se de ouvir aos ensinamentos. Não se sinta desencorajado quando ficar com fome ou sede durante um ensinamento, que continua por muito tempo, ou quando você tiver que enfrentar desconforto causado pelo vento, sol, chuva e etc. Simplesmente fique feliz por você ser detentor nesse momento das liberdades e vantagens da vida humana, por você ter encontrado um professor autêntico, e por você ser capaz de ouvir às suas instruções profundas.
O fato de que você está neste momento ouvindo ao Dharma profundo é o fruto de méritos acumulados durante inumeráveis kalpas. É como se por toda sua vida você só conseguisse comer uma única refeição num espaço de tempo em que 100 refeições deveriam ser feitas. Assim, é imperativo que se ouça com alegria, fazendo votos de suportar o calor, o frio e quaisquer provações e dificuldades que possam surgir, a fim de se receber estes ensinamentos.


2.1.3. As Cinco Formas Erradas de se Lembrar.

Evite lembrar as palavras, mas esquecer o significado,
Ou lembrar o significado, mas esquecer as palavras.
Evite lembrar ambos, sem ter compreensão,
Lembrar fora de ordem, ou lembrar incorretamente.

Não dê importância indevida a formas elegantes de discursos, sem fazer qualquer tentativa de analisar o significado profundo das palavras, como uma criança coletando flores. As palavras somente não são de benefício para a mente. Por outro lado, não desconsidere a forma na qual os ensinamentos são expressados, como sendo apenas palavras e por isso dispensáveis. Pois, mesmo que você lembre o significado profundo, você não mais terá os meios através dos quais expressar os ensinamentos. As palavras e os significados terão perdido sua conexão.
Se você lembrar dos ensinamentos sem identificar os diferentes níveis - o significado oportuno, o significado real e o significado indireto - você ficará confuso quanto às palavras a serem utilizadas. Isto pode te conduzir para longe do Dharma verdadeiro. Se você lembrar fora de ordem, você vai misturar a seqüência apropriada do ensinamento, e cada vez que você ouvir, explicar ou meditar no ensinamento, a confusão será multiplicada. Se você lembrar incorretamente o que foi dito, idéias errôneas sem fim proliferarão. Isto estragará sua mente e degradará o Dharma. Evite todos esses erros e lembre cada ponto - as palavras, o significado e a ordem dos ensinamentos - sem qualquer erro.
Mesmo que o ensinamento seja longo e difícil, não sinta-se desencorajado, e considere que haverá um fim; persevere. E mesmo que o ensinamento seja simples e curto, não o desvalorize como sendo algo elementar.


2.2. O QUE FAZER.

A conduta a ser adotada enquanto se ouve aos ensinamentos é explicada como as quatro metáforas, as seis perfeições transcendentes, e outros modos de conduta.


2.2.1. As Quatro Metáforas.

O Sutra Disposto como uma Árvore ensina:

Oh Nobre, você deve pensar de ti mesmo como alguém que está doente,
Do Dharma como o remédio,
Do amigo espiritual como um médico habilidoso
E da prática da diligência como o forma de recuperar-se.

Nós estamos doentes. Desde tempos sem começo, neste imenso oceano de sofrimento que é o samsara, somos constantemente atormentados pela doença dos três venenos e seus frutos, os três tipos de sofrimento.
Quando as pessoas ficam seriamente enfermas, elas vão consultar um bom médico. Elas seguem a orientação médica, tomam quaisquer remédios que ele prescreva, e fazem de tudo para superarem a doença e sentirem-se bem. Da mesma forma, vocês precisam curarem-se das doenças do carma, das emoções negativas e dos sofrimentos, seguindo as prescrições do médico experiente, o autêntico professor, e tomando o remédio do Dharma.
Seguir um professor sem fazer o que ele ensina é como desobedecer seu médico, o que tira dele qualquer chance de tratar sua doença. Não tomar o remédio do Dharma - isto é, não pô-los em prática - é como ter diversos medicamentos e orientações debaixo de sua cama sem nunca tocá-los. Isso fará que sua doença nunca seja curada.
Nestes dias, as pessoas dizem cheias de otimismo: "Lama, olhai-me com compaixão!" achando que mesmo que elas façam coisas terríveis, elas nunca padecerão as conseqüências. Eles crêem que o professor, e sua compaixão, os arremessará para os reinos celestes como se ele estivesse lançando uma pedra. Contudo, quando falamos do professor nos mantendo em sua compaixão, o que isso realmente significa é que ele amorosamente nos aceita como seus discípulos, e que ele nos dá suas instruções profundas, abre nossos olhos para o que fazer e o que não fazer, mostra-nos o caminho para a liberação ensinado pelo Conquistador. Que maior compaixão poderia haver? Depende de nós se aproveitamos ou não de tal compaixão, e verdadeiramente buscamos o caminho da liberação.
Agora que nós temos este nascimento humano livre e bem-dotado, agora que nós sabemos o que devemos e não devemos fazer, nossa decisão neste momento crucial, quando temos a liberdade de escolha, sinaliza aquele ponto de mudança que determinará nossa sorte, para melhor ou para pior para o futuro. É crucial que nós escolhamos entre o samsara e o nirvana de uma vez por todas, e que coloquemos as instruções de nosso professor em prática.
Aqueles que celebram as cerimônias nos vilarejos farão com que você acredite que no seu leito de morte, você ainda pode subir ou descer, como se você estivesse conduzindo um cavalo pelas rédeas. Contudo, naquele momento, a menos que você tenha dominado o caminho, os ventos violentos de suas ações passadas te perseguirão, enquanto diante de ti uma escuridão negra avança rapidamente em sua direção, a medida em que você é levado impotentemente pelo caminho longo e perigoso do estado intermediário. Os inumeráveis carrascos do Senhor da Morte te perseguirão gritando: "Mata! Mata! Bate! Bate! Como poderia em tal momento - quando não há lugar nenhum para se correr ou para se esconder, nenhum refúgio e nenhuma esperança, quando você está desesperado e sem ter a menor idéia do que fazer - como poderia em tal momento ser um ponto de mudança ao seu controle? Como o Grande de Uddiyana diz:

Quando o "empowerment" está sendo dado à carta onde lê-se o seu nome,
é muito tarde ! Sua consciência, já vagueando no estado intermediário
como um cachorro maluco, vai achar muito difícil pensar sobre reinos superiores.

De fato, o ponto de mudança, o único momento que você pode realmente direcionar-se para cima ou para baixo como estivesse conduzindo um cavalo pelas rédeas, é agora, enquanto você ainda está vivo
Como um ser-humano, seus atos positivos são mais poderosos do que aqueles dos outros tipos de seres. Isto dá a você, por outro lado, uma oportunidade aqui e agora, nesta exata vida, de abandonar o ciclo de renascimento de uma vez por todas. Mas seus atos negativos também são mais poderosos também; assim também é muito provável, por outro lado, que você nunca se liberte das profundezas dos reinos inferiores. Assim, agora que você encontrou um professor, um médico habilidoso, e o Dharma, o elixir que subjuga a morte, este é o momento de utilizarmos as quatro metáforas, colocando o que você ouviu em prática, e trilhando o caminho da liberação.
O Tesouro de Preciosas Qualidades descreve quatro noções erradas que devem ser evitadas, as quais são o oposto das quatro metáforas que nós mencionamos:
Homens de língua curta com tendências malignas
Aproximam-se do professor como se ele fosse um almiscareiro.
Após terem extraído o almíscar, o perfeito Dharma,
Cheios de alegria, desdenham a samaya (laços sagrados entre professor e discípulos, e também entre os discípulos).

Tais pessoas comportam-se como se seu professor espiritual fosse um almiscareiro, o Dharma o almíscar, e eles próprios como os caçadores, e a prática intensa a forma de matar o almiscareiro com um flecha ou armadilha. Eles praticam os ensinamentos que receberam e não sentem qualquer gratidão para com o professor. Eles usam o Dharma para acumularem atos malignos, amarrando ao redor de seus próprios pescoços a pedra que vai arrastá-los para baixo, para as profundezas dos reinos inferiores.


2.2.2. As Seis Perfeições Transcendentes.

No Tantra da Completa Compreensão das Instruções sobre Todas as Práticas Dhármicas, é dito:

Faça ofertas excelentes, tais como flores e almofadas,
Coloque o lugar em ordem e controle seu comportamento,
Não cause mal nem mesmo a um inseto,
Tenha fé genuína em seu professor,
Ouça às suas instruções sem distração
E faça perguntas a ele para dissipar suas dúvidas;
Estas são as seis perfeições transcendentes.

Um pessoa ouvindo aos ensinamentos deve praticar as seis perfeições transcendentes, como se segue:
Prepare o assento do professor, disponha almofadas sobre o assento, ofereça uma mandala, flores e outras ofertas. Isto é a prática da generosidade.
Varra o local ou cômodo, depois assente a poeira com água, e refreie-se contra quaisquer atitudes desrespeitosas . Isto é a prática da disciplina.
Evite causar mal até mesmo ao menor dos insetos, e suporte calor, frio e quaisquer outras dificuldades. Isto é a prática da paciência.
Coloque de lado quaisquer visões errôneas concernentes ao professor e ao ensinamento, e ouça alegremente com fé genuína. Isto é a prática da diligência.
Ouça às instruções do Lama sem distrair-se. Isto é a prática da concentração.
Faça perguntas para dissolver quaisquer faltas de convencimento e dúvidas. Isto é a prática da sabedoria.


2.2.3. Outros Modos de Conduta.

Todas as formas de comportamento desrespeitoso deve ser evitado. O Vinaya diz:

Não ensine àqueles que não têm respeito,
Àqueles que cobrem suas cabeças mesmo estando em bom estado de saúde,
Àqueles que carregam porretes, armas e sombrinhas
Ou àqueles cuja cabeças estão embrulhadas em turbantes.

E os Jatakas:

Tome o assento mais baixo.
Cultive o comportamento digno da disciplina completa.
Com seus olhos transbordando de felicidade,
Sorva as palavras como um néctar
E esteja completamente concentrado.
Esta é a forma de ouvir-se aos ensinamentos.


II. OS ENSINAMENTOS EM SI: UMA EXPLICAÇÃO DE COMO É DIFÍCIL OBTER ÀS LIBERDADES E VANTAGENS (de um precioso nascimento humano).

O assunto principal do capítulo é explicado em quatro seções: refletindo na natureza da liberdade, refletindo nas vantagens particulares relacionadas ao Dharma, refletindo em imagens que mostram o quanto é difícil se obter as liberdades e vantagens, e refletindo em comparações numéricas.

1. Refletindo na natureza da liberdade. (liberdade: não escravo ou sob o controle de outrem; condição de estar livre, sem restrições).

Em geral, aqui, "liberdade" significa ter a oportunidade de praticar o Dharma, e não ter nascido em um dos oito estados sem tal oportunidade. "Falta de liberdade" refere-se àqueles oito estados onde não há tal oportunidade:

Nascer nos infernos, no reino dos pretas,
(nascer) como um animal, um deus de vida longa ou um bárbaro,
(nascer) tendo visões errôneas, nascer quando não há um Buddha
ou nascer surdo e mudo; estes são os oito estados sem liberdade.




Os seres nascidos nos infernos não têm oportunidade de praticar o Dharma por eles estarem constantemente atormentados pelo calor e frio intensos.
Os pretas não têm a oportunidade de praticar o Dharma por sofrerem a experiência da fome e da sede.
Os animais não têm oportunidade de praticar o Dharma por estarem sujeitos a escravidão e sofrerem ataques de outros animais.
Os deuses de longa vida não têm oportunidade de praticar o Dharma por passarem seu tempo em um estado de vazio mental.
Aqueles nascidos nos países fronteiriços (longe de um local onde se ensina o Dharma) não têm a oportunidade de praticarem o Dharma devido a doutrina do Buddha ser desconhecida em tais locais.
Aqueles que nascem como tirthikas (praticante de uma religião não-budista ou de uma tradição filosófica que detenham visões errôneas) ou com visões errôneas similares, não têm a oportunidade de praticar o Dharma por suas mentes estarem tão influenciadas por tais crenças equivocadas.
Aqueles nascidos durante um kalpa escuro não têm oportunidade de praticarem o Dharma por nunca terem ouvido sobre as Três Jóias, e por não poderem distinguir o bom do mau.
Aqueles nascidos mudos ou mentalmente deficientes não têm a oportunidade de praticar o Dharma por suas faculdades serem incompletas.

Os habitantes dos três reinos inferiores de existência sofrem com o calor, o frio, a fome, a sede e outros tormentos, os quais são o resultado de seus atos negativos do passado; eles não têm a oportunidade de praticar o Dharma.
"Bárbaros" significa aqueles que vivem nos trinta e dois países fronteiriços, tais como o Lokatra, e todos aqueles que consideram causar o malefício dos outros como um ato de fé, ou aqueles selvagens que crêem que matar é bom. Estas pessoas os territórios remotos, têm a forma humana, mas suas mentes carecem da orientação correta e sintonizarem-se com o Dharma. Herdando, de seus ancestrais, tais costumes perniciosos, tais como casamento com a própria mãe, eles vivem de uma forma extremamente oposta à prática do Dharma. Tudo que eles fazem é maligno, e é nas técnicas de tais atividades prejudiciais, como matar insetos e caçar animais, que eles de fato se excedem. A maioria deles caem nos reinos inferiores logo após morrerem. Para tais pessoas não há oportunidade de praticar o Dharma.
Os deuses de longa vida são aqueles deuses que estão absorvidos em um estado de vazio mental. Os seres nascem neste reino como resultado de crerem que a liberação é um estado no qual todas as atividades mentais, boas e ruins, estão ausentes, e de meditarem neste estado. Eles permanecem em tais estados de concentração por vários kalpas a fio. Mas uma vez que o efeito dos atos do passado que produziram a condição divina tenha se exaurido, eles renascem nos reinos inferiores devido às suas visões errôneas. Eles também carecem da oportunidade de praticarem o Dharma.
O termo "visões errôneas" inclui, de forma geral, as crenças eternalistas e niilistas, as quais são visões contrárias e estranhas ao ensinamento do Buddha. Tais visões estragam nossas mentes e nos impedem de aspirarmos pelo autêntico Dharma, na medida em que não mais temos a oportunidade praticá-lo. Aqui no Tibet, devido ao segundo Buddha, Padmasambhava de Uddiyana, confiou a proteção da terra às doze Tenma (doze divindades femininas locais que tomaram o voto, na presença de Padmasambhava, de protegerem o Dharma), os tirthikas não puderam ainda se estabelecer. Contudo, qualquer um, cujo entendimento seja como o dos tirthikas, e contrários àquele dos autênticos Dharma e Mestres, serão, desse modo, privados da oportunidade de praticarem de acordo com os ensinamentos verdadeiros do Buddha. O monge Sunakshatra passou vinte e cinco anos como assistente pessoal do Buddha, e mesmo assim, por ele não ter nem um pouco de fé e manter em si visões errôneas, terminou renascendo como um preta em um jardim.
Nascimento em um kalpa escuro significa renascer em um período durante o qual não haja um Buddha. Em um universo onde nenhum Buddha tenha aparecido, onde ninguém nunca sequer ouviu sobre as Três Jóias. Como não há Dharma, não há qualquer oportunidade de praticá-lo.
A mente de uma pessoa nascida surda e muda não pode funcionar apropriadamente (Patrul Rinpoche viveu entre 1808-1887, e estava retransmitindo, conforme os conhecimentos locais e da época, uma tradição muito antiga) e o processo de audição, de ser exposto a eles, de refletir neles e pô-los em prática está impedido. A descrição surdo-mudo normalmente refere-se a uma disfunção da palavra. Isso torna-se em uma condição sem a oportunidade do Dharma, quando a habilidade de uso ou compreensão da linguagem está ausente. Esta categoria, por essa razão, inclui aqueles cuja deficiência mental os fazem incapazes de compreender aos ensinamentos, e dessa forma os impede da oportunidade de praticá-los.


2. Refletindo nas vantagens particulares relacionadas ao Dharma.

Sob esse título estão incluídos cinco vantagens individuais e cinco vantagens circunstanciais.



2.1. AS CINCO VANTAGENS INDIVIDUAIS.

Nagarjuna as lista da seguinte forma:

Nascer humano, em um local central, com todas as faculdades,
Sem um estilo de vida conflitante e com fé no Dharma.

Sem uma vida humana não seria possível nem mesmo encontrarmos o Dharma. Assim, este corpo humano é a vantagem do suporte.
Tivéssemos nascido em um local remoto, onde o Dharma nunca tivesse sido ouvido, nós nunca o teríamos encontrado. Mas a região onde você nasceu é central, no que diz respeito ao Dharma, e você tem a vantagem do local.
Não ter todos os seus sentidos e faculdades intactas seria um obstáculo para prática do Dharma. Se você está livre de tais deficiências, você tem a vantagem de possuir os sentidos e faculdades.
Se você tivesse um estilo de vida conflitual, você estaria continuamente imerso em ações negativas e distante do Dharma. Uma vez que você presentemente tem o desejo de ter atos positivos, isto é a vantagem da intenção.
Se você não tivesse fé nos ensinamentos do Buddha, você não teria qualquer inclinação pelo Dharma. Ter a habilidade de voltar sua mente para o Dharma, da forma com você está fazendo agora, constitui a vantagem da fé.
Devido a estas cinco vantagens necessitarem estar completas com relação a índole do indivíduo, elas são chamadas de cinco vantagens individuais.
Para realizarmos a verdadeira natureza do Dharma autêntico, é absolutamente necessário ser um ser-humano. Agora, suponha que você não tenha o suporte de uma forma humana, mas tenha a forma mais elevada de vida dos três reinos inferiores de existência, isso é, a forma de um animal - digamos o mais belo e mais premiado animal conhecido pelo homem. Se te dissessem: "diga Om Mani Peme Hung uma vez, e você se tornará um Buddha", você seria totalmente incapaz de compreender tais palavras ou perceber o seu significado, nem mesmo seria capaz de pronunciar uma palavra. De fato, mesmo se você estivesse morrendo devido ao frio, você não seria capaz de pensar em algo, a não ser deitar sobre um monte de folhas - ao passo que um ser-humano, não importa o quanto fraco esteja, saberia como abrigar-se em uma caverna ou debaixo de uma árvore, juntaria madeira e faria uma fogueira para aquecer seu rosto e mãos. Se os animais são incapazes até mesmo de coisas tão simples, como poderiam eles conceber a prática do Dharma?
Os deuses e outros seres do gênero, embora superiores em sua forma física, não reúnem as exigências colocadas para tomar-se os votos de praimoksha, e por isso não conseguem assimilar o Dharma em sua totalidade.

Quanto ao que se quer dizer por "região central", devemos distingüir entre uma região geograficamente central e um lugar que é central em termos do Dharma.
Geograficamente falando, a região central é geralmente chamadas de o Assento Vajra em Bodh Gaya (referindo-se ao local sobre o qual o Buddha sentava quando atingiu a iluminação. É considerado como o centro do mundo) na Índia, ao centro de Jambudvipa, o Continente do Sul. Os mil Buddhas do Bom Kalpa, todos alcançarão a iluminação lá. Mesmo na destruição universal no final do kalpa, os quatro elementos não poderão causar danos ao local, e permanecerá lá como se suspenso no espaço. No seu centro ergue-se a Árvore da Iluminação. Este lugar, com todas as cidades da Índia ao redor, é por essa razão considerada a região central em termos geográficos.
Em termos dhármicos, um local central é onde quer que o Dharma - os ensinamentos do Senhor Buddha - existe. Todas as outras regiões são chamadas periféricas.
Em um passado distante, no tempo em que o Senhor Buddha veio a este mundo, e durante o tempo em que suas doutrinas ainda existiam na Índia, aquela terra era central tanto em termos geográficos como Dhármicos. Contudo, agora que o local caiu nas mãos dos tirthikas e a doutrina do Conquistador desapareceu daquela região, no que diz respeito ao Dharma, até mesmo Bodh Gaya é um local periférico.
Nos dias do Buddha, o Tibet, o País das Neves, era chamado de "o país fronteiriço do Tibet", pois era uma terra pouco povoada, na qual a doutrina não tinha ainda se espalhado. Mais tarde, a população aumentou pouco a pouco, e lá reinaram diversos reis que eram manifestações dos Buddhas. O Dharma primeiro surgiu no Tibet durante o reino de Lha-Thothori Nyentsen, quando o Sutra dos Ritos de Renúncia e Realização e uma forma de tsa-tsa caíram sobre o telhado do palácio.
Cinco gerações mais tarde, de acordo com profecias que ele entenderia o significado do sutra, surgiu o Rei do Dharma Songtsen Gampo, uma emanação do Sublime Compassivo (Avalokiteshvara, Tcherenzig - o Buddha da Compaixão). Durante o reinado de Songtsen Gampo, o tradutor Thönmi Sambhota foi enviado à Índia para estudar suas línguas e escritas. Quando retornou, ele introduziu um alfabeto ao Tibet pela primeira vez. Ele traduziu para o tibetano os vinte um sutras e tantras de Avalokiteshvara, O Segredo Poderoso e vários outros textos. O próprio rei se manifestava de múltiplas formas, e juntamente com seu ministro Gartongtsen, ele usava meios milagrosos para defender o país. Ele tomou, como rainhas, duas princesas, uma chinesa e uma do Nepal, as quais trouxeram consigo numerosas representações do corpo, da palavra e mente do Buddha, incluindo as estátuas chamadas de Jowo Mikyö Dorje e o Jowo Shakyamuni (*) representantes em si do Buddha. O rei construiu os grupos de tempos conhecidos como Thadul e Yangdul, dos quais o central era o Rasa Trulnang. Desta forma ele estabeleceu o Buddhismo no Tibet.
(*) A princesa Wen-Ch'eng Kung-Chu, Kongjo para os tibetanos, era a filha do imperador T'ai-tsung. A estátua que ela trouxe, chamada Jowo Mikyö Dorje, era de Shakyamuni Buddha quando tinha doze anos, e tinha sido presenteada ao imperador chinês por um rei budista de Bengala; o templo Ramoche foi construído em 641 para abrigar a estátua. A rainha Tritsun era filha do rei nepalês Amsuvarman, e a estátua que ela trouxe, chamada Jowo Shakyamuni, era do Buddha Shakyamuni quando tinha oito anos, e é o famoso Jowo Rinpoche no Rasa Trulnang (Jokhang).
Seu quinto sucessor, Rei Trisong Detsen, convidou cento e oito pânditas para o Tibet, incluindo Padmasambhava, o Preceptor de Uddiyana, o maior dos detentores de mantra, inigualável por todos os três mundos. Para representar a forma do Buddha, Trisong Detsen mandou construir templos, incluindo o Samye "imutável, espontaneamente surgido". Para representar a palavra do Buddha, o autêntico Dharma, cento e oito tradutores, incluindo o grande Vajrotsana, aprenderam a arte de traduzir e traduziram todos os principais sutras, tantras e shastras (comentários sobre os ensinamentos do Buddha), na ocasião correntes na nobre terra da Índia. Os "Sete Homens para Testar" e outros foram ordenados monges, formando a Sangha, para representar a mente do Buddha.
Daquele época em diante, até o presente momento, os ensinamentos do Buddha têm brilhado como o sol no Tibet, e, apesar dos altos e baixos, a doutrina do Conquistador nunca se perdeu em quaisquer dos seus aspectos, transmissão ou realização. Dessa forma, o Tibet, no que diz respeito ao Dharma é um país central.
Uma pessoa, carecendo de quaisquer um dos cinco sentidos ou de suas faculdade não satisfaz as exigências impostas para tomar os votos monásticos. Além disso, alguém que não tenha a boa sorte de ser capaz de as representações do Conquistador para inspirar sua devoção, ou ler e ouvir os ensinamentos preciosos e excelentes como material para estudo e reflexão, não será totalmente capaz de receber o Dharma.
"Estilo de vida conflitual" refere-se , estritamente falando, aos estilos de vida ou à pessoas nascidas em comunidades de caçadores, prostitutas e assim por diante, que estão envolvidas nestas atividades negativas desde a mais tenra idade. Mas de fato, inclui qualquer cujos pensamentos, palavras e atos são contrários ao Dharma - pois mesmo aqueles que não nasceram em tais estilos de vida podem facilmente cair neles mais tarde na vida. Por isso é fundamental que evitemos fazer qualquer coisa que conflitue com o Dharma autêntico.
Se sua fé não está nos ensinamentos do Buddha, mas nos deuses poderosos, nos nagas e assim por diante, ou em outras doutrinas como às dos tirthikas, então, não importa quanta fé você possa colocar neles, nenhum deles pode te proteger contra os sofrimentos do samsara ou do renascimento nos reinos inferiores. Mas se você tiver uma fé apropriadamente estabelecida nas doutrinas do Conquistador, a qual une transmissão e realização, você é, sem dúvidas, um vaso apropriado para o Dharma verdadeiro. E está é a maior das cinco vantagens individuais.




4. Reflexão sobre comparações numéricas
Quando se consideram os números relativos de diferentes tipos de seres, pode-se apreciar o fato de que nascer humano é uma possibilidade quase inexistente. Como ilustração, diz-se que se os habitantes dos infernos fossem tão numerosos quanto as estrelas do céu noturno, os pretas não seriam mais numerosos do que as estrelas visíveis durante o dia; que, se houvesse tantos pretas quanto há estrelas à noite, haveria apenas tantos animais quanto estrelas há durante o dia.
Diz-se também que há tantos seres no inferno quanto há partículas de pó no mundo inteiro, tantos pretas quanto há partículas de areia no Ganges, tantos animais quanto grãos em um barril de cerveja36 e tantos asuras quanto flocos de neve em uma nevasca – mas que os deuses e os humanos são tão poucos quanto as partículas de pó que se pode empilhar sobre uma unha.
Já é suficientemente raro tomar-se forma como um ser dos reinos superiores, porém mais raro ainda é uma vida humana completa com todas as liberdades e vantagens. Podemos ver por nós mesmos, a qualquer momento, como são poucos os seres humanos, em comparação com os animais. Pensem quantos insetos vivem em um torrão de terra durante o verão, ou quantas formigas em um só formigueiro – é difícil existirem tantos seres humanos no mundo inteiro. Mas mesmo dentro da humanidade, podemos ver que, em comparação com todas as pessoas nascidas nas regiões exteriores onde os ensinamentos nunca apareceram, aqueles nascidos nos lugares em que o Dharma disseminou-se são extremamente raros. E mesmo entre estes, é raro haver mais de um, a cada vez, que tenha todas as liberdades e vantagens.
Tendo em mente todas estas perspectivas, você deve se encher de alegria com o fato de que você realmente tem todas as liberdades e vantagens, completas.

Uma vida humana só pode ser chamada de “preciosa vida humana” quando está completa com todos os aspectos das liberdades e vantagens, e daí por diante ela se torna verdadeiramente preciosa. Porém, enquanto qualquer destes aspectos esteja incompleto, então, por mais extensos que sejam seus conhecimentos, sua instrução e seu talento quanto às coisas ordinárias, você não tem uma preciosa vida humana. Você tem o que se chama de uma vida humana ordinária, simplesmente uma vida humana, vida humana sem sorte, vida humana sem sentido, ou uma vida humana que retorna de mãos vazias. É como não usar uma jóia que realiza os desejos apesar de tê-la nas mãos, ou como regressar de mãos vazias de uma terra cheia de ouro precioso.

Encontrar esta preciosa vida humana
É mais valioso do que encontrar uma jóia preciosa.
Vejam como aqueles que não temem o samsara
Desperdiçam a vida!

Conhecer um mestre perfeito
É mais valioso do que ganhar um reino.
Vejam como aqueles que não têm devoção
Tratam o mestre como tratam a seus iguais!

Receber os votos de Bodhisattva
É mais valioso do que receber o comando de uma província.
Vejam como aqueles que não têm compaixão
Jogam longe os seus votos!

Receber uma iniciação tântrica
É mais valioso do que ser o governador do universo.
Vejam como aqueles que não guardam as samayas
Jogam aos ventos as iniciações!

Ver a natureza real da mente
É mais valioso do que encontrar o Buddha.
Vejam como aqueles que não têm determinação
Vão, à deriva, de volta para a ilusão!

Estas liberdades e vantagens não vêm por acaso ou coincidência. São o resultado de uma acumulação de mérito e sabedoria, construída ao longo de muitos kalpas. Diz o grande erudito Trakpa Gyaltsen:

Esta existência humana livre e favorecida
Não é o resultado de tuas habilidades.
Ela vem do mérito que acumulaste.

Obter-se uma vida humana apenas para se envolver totalmente em atividades más sem a menor noção do Dharma é ser mais inferior que os reinos inferiores. Como disse Jetsun Mila ao caçador Gönpo Dorje:

Diz-se geralmente que é precioso possuir as liberdades e fortunas do nascimento humano,
Mas quando vejo uma pessoa como tu, isto não parece precioso de modo algum.

Nada tem tanto poder de puxar você para baixo, para os reinos inferiores, como a vida humana. O que você faz com ela, agora, neste instante, só depende de você:

Bem usado, este corpo é nossa balsa para a liberdade.
Mal usado, este corpo nos ancora no samsara.
Este corpo segue as ordens tanto para o bem quanto para o mal.

É através do poder de todo o mérito que você acumulou no passado que você obteve agora esta vida humana, completa com suas dezoito liberdades e vantagens. Desprezar a única coisa essencial – o Dharma supremo – e, ao invés dele, só passar a sua vida adquirindo comida e roupa e entregando-se às oito preocupações ordinárias, seria um desperdício inútil destas liberdades e vantagens. Como é ineficaz esperar até que a morte esteja sobre você para, então, bater no peito com remorso! Pois você já terá feito a escolha errada, como diz O Caminho do Bodhisattva:

Se, tendo encontrado estas liberdades,
Eu não praticar o que é bom,
Nada pode ser mais errado;
Nada pode ser mais estúpido!

Esta vida presente, portanto, é o ponto decisivo no qual você pode escolher entre um bem a longo prazo ou um mal a longo prazo. Se você não fizer uso dela agora mesmo e conquistar a cidadela da natureza absoluta dentro do âmbito desta vida, nas vidas futuras será muito difícil obter novamente esta liberdade. Se uma vez você nascer em qualquer das formas de vida dos reinos inferiores, nenhuma idéia do Dharma irá jamais lhe ocorrer. Confuso demais para saber o que fazer ou o que não fazer, você cairá incessantemente mais e mais, em reinos cada vez mais inferiores. Então, ao dizer para si mesmo que agora a hora de fazer um esforço, medite muitas vezes, aplicando os três métodos supremos: comece com o pensamento da bodhicitta, faça a prática em si, sem qualquer conceitualização, e dedique o mérito ao final
Como medida de quanto esta prática verdadeiramente nos convenceu, devemos ser como o Geshe Chengawa, que passou todo o seu tempo praticando e nunca dormia. o Geshe Tönpa disse a ele: “É melhor você descansar, meu filho. Você vai adoecer.”
“Sim, eu devo descansar”, respondeu Chengawa. “Mas quando penso em como é difícil encontrar as liberdades e vantagens que temos, não tenho tempo de descansar.” Ele recitou novecentos milhões de mantras de Miyowa e passou sem dormir toda a sua vida. Devemos meditar até que exatamente este tipo de convicção surja em nossas mentes.
 

Embora eu tenha ganho estas liberdades, sou fraco no Dharma, que é sua essência.
Embora eu tenha ingressado no Dharma, desperdiço tempo fazendo outras coisas.
Abençoe a mim e a seres insensatos como eu,
Para que atinjamos a própria  essência das liberdades e vantagens.

 

quinta-feira, 29 de julho de 2010

SAKYA TRIZIN: UMA ENTREVISTA



A Sabedoria Essencial do Budismo


A VIDA E O ENSINAMENTO DE UM DOS MAIORES LAMAS,
CHEFE SUPREMO DA LINHAGEM SAKYA
DO BUDISMO TIBETANO,
NUMA ENTREVISTA PESSOAL.

Primeira Parte

"Nós Fizemos muitas adivinhações e todas elas diziam a mesma coisa".
SAKYA TRIZIN

S.S. SAKYA TRIZIN



P. Sua Santidade, o senhor poderia dar-nos uma idéia de sua vida?
R. Talvez eu tenha de começar contando a vocês o que aconteceu antes de meu nascimento. O título "Sakya Trizin" significa "Detentor do Trono de Sakya", e meu avô tinha sido o último Trizin em nossa família. Para ter um filho, meus pais foram em peregrinação ao monte Kailash, ao Nepal, a Lhasa e ao Sul do Tibet, mas não havia o menor sinal de que um filho pudesse nascer. Eles já tinham perdido todas as esperanças quando chegaram ao Mosteiro Nalanda, um importante Mosteiro Sakya, ao norte de Lhasa, e contaram aos abades do mosteiro sobre isso. Os chefes ficaram comovidos e muito preocupados, porque a linhagem da nossa família, a linhagem do Palácio Dolma, possuía a tradição do mais esotérico ensinamento Sakya e além disso muitos dos chefes do Mosteiro tinham recebido esses ensinamentos de meu avô, e assim para eles a continuação da nossa família era muito importante1. Eles pediram a meus pais para não perderem a esperança e ofereceram um dos seus melhores mestres para viajar com meus pais, o Lama Ngawang Lodro Rinchen. Representava grande perda para o Mosteiro, mas ele era um Lama muito poderoso que poderia realizar todos os diferentes rituais, e em particular suas preces tinham causado o nascimento de crianças para mulheres que eram incapazes de ter filhos antes. Depois disto ele viajou com meus pais, e juntos fizeram muitos rituais e preces para que nascesse um filho. Por fim ficou claro que as preces foram atendidas, e meus pais foram para Tsedong, uma pequena e agradável cidade perto de Shigatse. Decidiu-se que ali era um bom lugar para uma criança nascer, particularmente talvez pela sua reputação como lugar de nascimento de muitos grandes mestres Sakya, como Ngachang Chenpo Ngawang Kunga Rinchen. De fato eu nasci no mesmo quarto de Ngachang Chenpo2.
Um outro problema nasceu: a sucessão de dias inauspiciosos astrologicamente. Como meus pais queriam que eu nascesse num dia auspicioso, muitas preces foram feitas. E eu não nasci num dia ruim: nasci no primeiro dia do oitavo mês tibetano (7 de setembro, 1945), que é considerado muito bom. Diz-se que foram vistos sobre a casa arco-íris, e uma imagem de Guru Rimpochê foi oferecida a meu pai, o que eram bons sinais3; mas naturalmente eu não sabia de nada disto.
P. O que acontece quando um filho nasce na sua família sagrada?
R. A primeira coisa, logo que a criança nasce, é que a letra DHIH, a letra de Manjusri4 que representa palavra e sabedoria, é escrita na língua da criança com um néctar especial feito de açafrão e muitas outras coisas.
P. Quando o Senhor foi para Sakya?
R. Isto foi depois. Disse que meu nascimento foi celebrado em Tsedong, e foi depois disto que nossa família fez uma pequena peregrinação ao famoso santuário de Guru Rimpochê no Sul do Tibet. Depois disso nós retornamos a Sakya onde meu nascimento foi celebrado de novo de maneira mais elaborada.
P. Seus pais morreram quando o Senhor ainda era muito pequeno, não?
R. Sim. Eu não posso lembrar-me de minha mãe. Ela morreu quando eu tinha dois ou três anos, mas eu me lembro de sua irmã, minha tia. Ela foi como uma mãe, para mim. Meu pai morreu em 1950, quando eu tinha cinco anos. Disso eu me lembro muito bem.
P. Quantos anos tinha o Senhor quando os seus estudos começaram?
R. Eu tinha cinco anos. Naquele mesmo ano, Lama Ngawang Lodro Rinchen deu-me minha primeira lição sobre o alfabeto. Nós fomos a um especial altar de Manjusri em Sakya, onde ele me deu a consagração de Manjusri e Achala, e então foi trazida uma antiga cópia do alfabeto Tibetano escrita em ouro, que era usada especialmente pelos filhos de nossa família. Lama Ngawang leu as letras em frente da imagem de Manjusri e eu repeti depois dele. Isto era a cerimônia. Depois disto eu tive outro mestre de leitura.
P. Os seus estudos espirituais também começaram?
R. Sim. Tive de memorizar e recitar preces a Manjusri. Lembro-me claramente de tudo isto. Depois da cerimônia, tinha de soletrar sete horas por dia, seis dias por semana, por aproximadamente dois anos. Nós Tibetanos dizemos que quanto mais você pratica soletrando, mais rapidamente você estará apto a ler.
P. Onde o Senhor recebia ensinamentos religiosos nesse tempo?
R. Eu recebia consagrações freqüentemente. De fato, eu recebi as bênçãos de Amitayus5 para longa vida logo que nasci, de meu pai. Quando eu tinha quatro anos, recebi a Consagração de Vajra Kila (Dorje Phurba)6, de meu pai.
Lembro-me disso muito claramente. Estava sentado no colo de uma atendente pessoal muito querida, e lembro-me, também, quando meu pai deu a parte irada da Consagração7, ele estava usando um chapéu e um costume do dançarino do chapéu preto, e fez rituais de dança. Lembro-me mesmo de quem tocou os instrumentos musicais!
P. Onde aconteceu isto?
R. No Palácio Dolma. O Palácio Dolma é um enorme palácio, com três principais santuários e muitas outras salas. Ao todo tem cerca de oitenta quartos, e todos os ensinamentos eram dados numa dessas salas de santuário8.
P. O Senhor saía algumas vezes do Palácio?
R. Ah, sim, mas não freqüentemente para a cidade. Havia uma área aberta muito ampla de campos ao redor do Palácio, e o rio corria quase perto. Quando não estava estudando, eu costumava sair com um atendente para brincar junto com outras crianças.
P. Quando seus estudos religiosos começaram seriamente?
R. Comecei a estudar leitura no verão de 1950, e no outono fui para o Mosteiro Ngor onde recebi o Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré). Meu Guru para isso foi o Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo, Abade da Khangsar Abadia de Ngor9.
P. De que maneira o Senhor se lembra dele?
R. Ele era um Lama muito santo, muito avançado espiritualmente, sempre muito calmo, muito lento nos movimentos, e ele fazia tudo com muita perfeição. Naquela época já era muito velho. Ele proferiu o ensinamento em seu próprio quarto para um pequeno grupo, talvez trinta ao todo. Naquele tempo eu era muito pequeno e quase não conseguia ler. Lembro-me de que eu estava no colo de Khangsar Shabdrung, o sucessor Abade, que segurava as páginas em minha frente e assim eu podia ler as preces introdutórias cada dia. Enquanto o Abade estava ensinando a parte Mahayana pude entender bastante bem, mas não pude entender a seção Tântrica muito bem10. Fiquei muito tempo com o Abade, e enquanto isso continuava a prática de soletração e leitura, lendo algumas biografias. Fiquei cerca de quatro meses em Ngor, estudando, e depois retornei a Sakya.
No ano seguinte visitei Lhasa pela primeira vez e encontrei Sua Santidade o Dalai Lama que me confirmou como "designado Sakya Trizin". Fiquei quatro meses em Lhasa visitando muitos mosteiros ali e no Tibet Central. Nós visitamos Nalanda e também Samyé, e então retornamos através do Sul do Tibet onde visitei muitos lugares sagrados e mosteiros em peregrinação11.
Durante aquelas visitas eu trabalhava duramente memorizando o Hevajratantra, que é o texto básico da prática religiosa Sakya. Então, no início de 1952, fui entronizado numa cerimônia simples; como eu era então muito jovem a entronização total viria mais tarde. Eu tive de recitar completo o Hevrajratantra em frente dos monges oficiais e mestres do mosteiro tântrico em Sakya: isto era considerado um teste de habilidade por que todos os monges tinham de passar. Eu tinha apenas seis anos, mas é com felicidade que digo que passei recitando tudo corretamente. Depois disto, assisti à recitação mensal daquele Tantra por todos os monges do Mosteiro Tântrico: era a primeira cerimônia a que eu assistia ali. Depois deixei Sakya para assistir à entronização do Panchen Lama em Shigatse, que durou muitas semanas. Naquela viagem eu já fui com a total dignidade e acompanhamento de um Sakya Trizin.
Retornei a Ngor no verão para receber o Ensinamento Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré) de Khangsar Khenpo12, durante o qual ele teve de freqüentemente parar para dar outros Ensinamentos, como as instruções de Vajra-Yogini, o Zenpa Zidel e muitas outras importantes instruções. Ao todo, o curso durou um ano, até que eu tive de retornar a Sakya, a pedido dos chineses, para algumas palestras. No início de 1953, outra vez retorno a Ngor para retomar os estudos ali, mas infelizmente Khangsar Khenpo faleceu justamente antes que tivesse terminado o total ensinamento o que foi concluído por seu sucessor. Retornei a Sakya antes de setembro porque naquele ano eu testemunharia a cerimônia anual do ritual de Vajra Kila, que ocorre sempre no sétimo mês tibetano. A seguir iniciei um retiro de meditação de Hevajra no Palácio Dolma13.
P. Foi seu primeiro retiro?
R. Não. Quando recebi o primeiro Lamdré realizei o retiro de Amitayus e a seguir dei a consagração para meu Guru, Khangsar Khenpo. Também no intervalo entre os dois ensinamentos de Lamdré realizei o retiro de Bhutadamara, a especial forma de Vajrapani14, por um mês. Mas aquele foi o primeiro retiro maior que realizei. Durante o retiro, houve muitas dificuldades. Eu tinha um mestre muito rigoroso e tinha permissão de ver apenas minha tia, meus dois servidores e meu mestre. Ainda que eu estivesse muito bem durante todo o tempo, meu mestre caiu muito doente durante a primeira metade do retiro. Muito, muito doente e nós tínhamos muita dificuldade devido à sua doença. Todavia o retiro terminou com sucesso. E digo "nós" porque minha irmã15 fazia o mesmo retiro ao mesmo tempo, mas em quartos diferentes, a pouca distância. É claro que não nos era permitido encontrar-nos, mas comunicávamo-nos por notas escritas.
Depois do retiro, meu mestre permaneceu doente por meses e durante este período tive umas longas férias! Fiquei um pouco selvagem e gostava de perambular e fazer o que me agradasse. Minha tia ficou um pouco preocupada e contratou um professor temporário para o qual eu tive de memorizar os textos do Vajra-Kila, seja para prática diária, seja para o longo ritual.
Então naquele verão de 1954 o sucessor de Khangsar Khenpo foi convidado a Sakya para dar o Druthab Kuntu, a coleção de meditação tântricas e ensinamentos coligidos e editados pelo primeiro Khyentse Rinpochê16. Isto durou três ou quatro meses e foi realmente uma ocasião agradável. Todo o Ensinamento foi dado na casa de verão no nosso parque do Palácio Dolma, e Kungsar Shabdrung falava de uma maneira muito livre. Por aquele tempo, meu professor se recuperou da doença e ensinou-me o ritual de danças que vão com as práticas Kila. Em setembro, assisti às cerimônias de um mês de Kila. Eu não era o mestre de cerimônias naquele ano, mas tomei parte nas danças e assisti de perto as cerimônias diárias. O próximo passo foi receber o ensinamento Mahakala17de Lama Ngawang Lodro Rinchen, depois do que fui direto para retiro para meditar naquele protetor por um mês. Eu recebi mais ensinamento Mahakala de Lama Ngawang, e o Thangtong Nying-Gyud de Drupchen Rinpoche, um grande iogue Nyngma e uma encarnação do santo tibetano Thangtong Gyalpo. E logo entrei num retiro de Vajra-Kila por três meses. Durante este tempo, minha irmã, que naquela época tinha dezesseis anos, estava dando o ensinamento de três meses de Lamdré. E nunca tinha feito o retiro de Kila, portanto eu fui consultado a dar-lhe a consagração quando terminasse o retiro. Esta foi a primeira maior consagração que dei. Cerca de sessenta monges vieram receber o Lamdré, mas muitas outras pessoas chegaram para a Consagração Kila: cerca de mil, eu penso. E isso tudo quando eu tinha nove anos.
P. Como o Senhor se lembra de Lama Ngawang Lodro Rinchen?
R. Ele era o Lama que me tinha causado ter renascimento humano18. Ele era verdadeiramente um Lama maravilhoso, muito rigoroso na observação dos papéis Vinaya de disciplina, nunca comia depois do almoço, nem usava peles nem camisas com manga. Seus braços estavam sempre descobertos, não importa quão frio fazia e não importa quão frio havia em Sakya - e Sakya era realmente um lugar muito frio - seu quarto estava sempre morno como se tivesse um aquecimento central. Na sua casa nós podíamos colher flores, nós podíamos buscar água. Em outro lugar nós nunca podíamos achar água durante o inverno: se nós puséssemos água numa garrafa ela logo congelava em poucos minutos e quebrava a garrafa!
P. Sua Santidade teve uma infância árdua. Que diversão o Senhor experimentou?
R. Eu costumava divertir-me indo para os campos ao redor do Palácio. O rio corre quase perto do Palácio e eu gostava muito de ir lá. Lembro-me quando eu assistia à Cerimônia Kila era acompanhado pelos atendentes até minha casa, vindo da cidade de Sakya. Mas quando eles saíam, logo que eles estavam longe das vistas, eu imediatamente tirava todas as minhas roupas de cerimonial e corria para o rio. Eu gostava de banhar-me ali, mas mesmo em setembro a água era muito, muito fria, terrivelmente fria. E também eu gostava de ir para a casa de verão, no parque. Nós tínhamos um velho gramofone, daquele tipo que você tem de dar corda, e uma pilha de velhos discos, a maioria marchas militares britânicas, mas também algumas canções folclóricas tibetanas, e nós gostávamos muito de ouvir aquilo.
P. O Senhor visitou Lhasa outra vez?
R. Sim, no verão de 1955 recebi muitos ensinamentos esotéricos do Lama Ngawang Lodro Rinchen, e no outono fui outra vez a Lhasa. No inverno recebi alguns pequenos ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama. Mas Lhasa estava mudada. Quando a visitei pela primeira vez, em 1951, encontrei uma capital Tibetana juvenil, tradicional e bela. Mesmo então os chineses já tinham chegado, mas se viam poucos chineses nas ruas. Porém na minha segunda visita em 1955 eu me dirigi de jeep de Shigatse para Lhasa e num jeep chinês! e Lhasa estava cheia de jeeps e caminhões. Havia gente chinesa e mercadorias chinesas em toda parte.
Fiquei cerca de seis meses em Lhasa, dando alguns pequenos ensinamentos e realizando danças sagradas e preces. Foi nesta época que encontrei pela primeira vez o Venerável Jamyang Khyentse Rinpochê, e me tornei muito próximo dele, visitando-o freqüentemente. Recebi muitos ensinamentos Sakyas dele, mas a maior parte dos ensinamentos que recebi dele foram realmente Nyingmapa19. No início do ano seguinte fiz outra visita ao Sul do Tibet e depois retornei a Lhasa onde eu tive de participar do Comitê Preparatório Chinês, junto com Sua Santidade o Dalai Lama e Sua Santidade Gyalwa Karmapa20 e outros proeminentes Tibetanos. Mas logo as intenções chinesas ficaram muito claras, mas nós sentíamos que era melhor tentar contornar a situação da melhor maneira possível, sem violência. Em todo caso, nossa pátria não era poderosa, no sentido militar do termo.
Retornei para Sakya no verão e depois, naquele mesmo ano, Khyentse Rinpochê veio para Sakya. No inverno, Sua Santidade o Dalai Lama foi à Índia em peregrinação pelo Buddha Jayanti, uma celebração, e eu O encontrei em Shigatse em seu caminho para a Índia. Pouco depois eu também fui à Índia, em peregrinação, visitando os quatro mais sagrados santuários da peregrinação budista na Índia: Bodh Gaya, Lumbini, Sarnath e Kushinagara21. Fiquei na Índia cerca de dois meses e então retornei a Sakya. No ano seguinte, 1957, outra vez cumpri um retiro de meditação de Vajra-Kila, e outra vez recebi a transmissão do Lamdré, desta vez do Abade do Mosteiro Tântrico em Sakya, o Venerável Jampal Sangpo.
P. Quando ocorreu a completa entronização de Sua Santidade?
R. Foi depois do ano novo, no início de 1959. Foi um acontecimento que exigiu muita preparação. No fim de 1959 a grande dança sagrada dos Protetores da Religião foi executada, e eu as presidi. A seguir, no ano novo, a entronização foi feita.
P. Como é desempenhada?
R. No Mosteiro Tântrico existe um grande pátio em frente ao templo que tem o telhado dourado. Neste templo está guardado o Trono Espiritual de Sakya Pandita, que está colocado ao lado do Trono Temporal de Chogyal Phagpa. Eu tive de sentar-me em cima deste e pregar um texto escrito por Sakya Pandita chamado A intenção do sábio22.
O ensinamento, que inclui uma pequena explanação, dura três dias. Depois disto, oferecimentos foram feitos por representantes de Sua Santidade o Dalai Lama, por representantes do Panchem Lama, de Sakya e de muitos outros Tibetanos assim como chineses, nesta ocasião. Depois disto foi feita uma grande procissão.
P. Isto deve ter ocorrido bem perto da sua vinda para a Índia, não?
R. Sim, eu saí para a Índia quase imediatamente depois.
P. Como o Senhor deixou o Tibet?
R. Foi uma coisa muito complicada. Naquele tempo as tensões estavam muito grandes e o povo só falava de Khampas e de Chineses, de Chineses e de Khampas. Nós fizemos muitas adivinhações e todas diziam a mesma coisa: que o Tibet estaria perdido e que muitas coisas terríveis poderiam acontecer. Mas nós ainda esperávamos. Até que um dia chegaram notícias de uma transmissão de rádio indiana que tinha havido uma batalha em Lhasa e que Sua Santidade o Dalai Lama tinha escapado para o sudoeste de Lhasa. Aí nós ficamos preocupados. Era impossível para mim sair diretamente de Sakya porque havia muitos espiões chineses. Assim eu fiz saber que estava saindo para um retiro num eremitério não muito longe de Sakya. Cheguei lá a salvo e mandei um aviso para minha tia e minha irmã juntarem-se a mim. Dali nós todos saímos de noite.
P. Qual foi a distância percorrida?
R. Não era muito grande a distância de Sakya para a fronteira do Sikkim. Nós chegamos com segurança ali cinco dias depois. Nosso grupo era constituído de apenas oito ou nove pessoas e, devido às circunstância, foi-me impossível levar comigo alguma das muitas coisas preciosas e sagradas que nós tínhamos em Sakya.
No Sikkim permaneci um mês em Lachen onde, lembro-me, comecei a aprender inglês e logo podia dizer algumas palavras simples. Logo recebi uma mensagem de Khyentse Rinpoche que dizia que ele estava muito mal em Gangtok, e assim eu fui até lá. A mensagem, de fato, foi trazida por um médico tibetano que tinha conhecido meu padrasto, ainda que eu não o conhecesse. Khyentse Rinpoche estava muito doente e eu fiz muitas preces para ele, mas ele ficou fraco e faleceu em julho de 1959.
Depois disto eu fui para Darjeeling e no inverno fiz uma peregrinação pela Índia e Nepal, retornando a Kalimpong e Darjeeling no início de 1960. Passei aquele ano e os dois subsequentes estudando filosofia com um Abade Sakya muito erudito chamado Khenpo Rinchen. Você vê, apesar de eu ter muitos ensinamentos e realizado muitos retiros no Tibet, eu nunca tinha tido tempo para estudar filosofia Mahayana muito bem, assim naqueles três anos aprendi filosofia Madhyamika, Lógica, Prajnaparamita, Abhidharma e outros assuntos. Então, no final de 1962, como houvesse uma guerra entre a Índia e a China, deixei Darjeeling e vim para Mussoorie.
O ano seguinte passei recuperando-me de uma tuberculose, mas no fim de 1963 já estava apto a assistir à Conferência Religiosa em Dharamsala. E em março de 1964 nós fundamos o Centro Sakya para funcionar como nosso principal mosteiro daí em diante, localizado aos pés de Mussoorie. Fui para Mussoorie receber aulas com o Venerável Khenpo Appey, um grande Mestre Sakya. Primeiro estudei os Tantras com ele e recebi muitas profundas explanações que ele tinha recebido de seu próprio mestre, o primeiro Deshung Rinpochê, o grande místico tibetano. Depois também estudei com ele filosofia Madhyamika, e além disso poética, gramática e aritmética. Em 1965 participei da segunda Conferência Religiosa em Bodh Gaya. Em 1966, peregrinei por Sanchi, nas cavernas de Ajanta e Ellora, mas apesar disso meus estudos continuaram ininterruptamente até 1967, quando Khenpo Appey foi para Sikkim. No inverno de 1967 eu ensinei o Lamdré pela primeira vez, em Sarnath. Eu tinha 22 anos, então. Cerca de 400 monges e talvez cerca de 100 leigos budistas participaram . No início do ano seguinte iniciamos nossa Instalação de Reabilitação Sakya, em Puruwala, para novecentos refugiados que vieram de Sakya. O lugar foi escolhido pela semelhança física com Sakya do Tibet, apesar de, naturalmente, ser muito mais quente.
Talvez eu devesse mencionar a sucessão de amigos do Oeste que ficaram ao meu lado durante aqueles anos, ajudando-nos no nosso trabalho de reabilitação, e com quem aprendi a falar o inglês.
Em 1970 um trágico acidente de motocicleta nos privou do Venerável Thutop Tulku, um monge jovem e muito capaz que organizou o Centro e a Instalação praticamente sozinho. Desde então, como eu já falava inglês bastante bem, assumi o trabalho de administração. Naquele outono, mudei-me para o Centro Sakya e desde então moro em Rajpur. 1971 e 1972 foram anos muito bons, pois o Venerável Chogye Tri Rinpoche estava conosco em Rajpur, dando a maior coleção de consagrações, a Gyude Kunta de Jamyang Khyentse Wangpo. Na primavera de 1974 casei-me e logo depois fiz a minha primeira visita ao Ocidente. Durante quatro meses visitei a Suíça, Inglaterra, o Canadá, os Estados Unidos e o Japão, dando ensinamentos religiosos e encontrando imigrantes tibetanos e budistas ocidentais. Em 19 de novembro de 1974 meu filho, Tungse Rinpoche, nasceu.
Na primavera seguinte, fomos em peregrinação ao completamente renovado mosteiro de Chogye Rinpoche em Lumbini, no Nepal. E depois disto eu fiquei dando ensinamento por um mês no nosso mosteiro Sakya em Boudhnath, Kathmandu. Mas para nossa grande tristeza minha tia, que me criou e em cujas decisões e trabalho eu me tinha apoiado durante toda minha meninice, faleceu. Em 1976 falei em Darjeeling. Conferi o Druthab Kuntu (Coleção de todas as Sadhanas) em Ladakh, Kashmir, e empreendi uma viagem de ensinamentos nos acampamentos de refugiados do Sul da Índia.
P. E no futuro?
R. Estou pensando muito em dar ensinamento no Ocidente outra vez.
P. Quem Sua Santidade considera ser seus principais Gurus?
R. Meu principal Guru foi Khangsar Khenpo, de quem recebi o Lamdré. Depois, meu pai; Khyentse Rinpoche; Khansar Shebdrung Rinpoche; Lama Ngawang Lodro Rinchen; e Sakya Khenpo Jampal Sangpo. Num grau menor Phende Khenpo, Drupchen Rinpoche e muitos outros.



Notas:
1
Sua Santidade está sendo modesto. Sua família é considerada sagrada: os primeiros membros da família Khön foram, segundo se diz, três irmãos da raça celestial chamada Lha-rig que desceram do céu de Abhasvara e se estabeleceram no pico de uma montanha de cristal do Tibet. Dois retornaram logo, mas o mais jovem, Yuse, permaneceu na terra e fundou a dinastia Khon (Apud AMIPA, S.G. The opening of the lotus. Londres, Wisdon Publications, 1987, p.138) Era muito importante não interromper esta linhagem.
2
Ngagchang Kunga Rinchen (1517-1584) é o 27º mestre detentor da linhagem do Landré que começa com Virupa. Sua Santidade Sakya Trizin é o 44º.
3
Guru Rimpochê foi introdutor do Budismo no Tibet. "Rimpochê" quer dizer "precioso".
4
Manjusri é o Bodissátua da Sabedoria que tudo atravessa. Os Bodissátuas permanecem na Existência para ajudar aos seres. Manjusri é simbolizado com uma espada (que tudo atravessa) e um lótus sobre o qual está o livro da Perfeição da Sabedoria. S.S. Sakya Trizin é considerado uma emanação de Manjusri.i
5
Buda para longa vida. Ele é uma transformação de Amitaba.
6
Divindade Nyngma que a Ordem Sakya também herdou. Sua prática elimina o ódio e as guerras, e outras atividades.
7
Consagração, ou Wang, significa "Iniciação", ou transmissão, autorização.
8
Infelizmente, segundo se diz, depois da invasão chinesa o Palácio Dolma foi transformado em prisão. Nada se sabe sobre os tesouros artísticos que abrigavam (quadros, estátuas etc). Quando a família Khon fugiu para o exílio, nada levou, pois não houve tempo nem condições como se vai ler adiante.
9
Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo (1876 - 1953) é o 6º detentor da linhagem Ngorpa (uma das sub-seitas Sakya).
10
Mahayana e Tântrica serão explicadas adiante.
11
Llhasa é a capital do Tibet. Nalanda e Samyé são famosos mosteiros.
12
A palavra Khenpô significa "mestre em filosofia", não é nome próprio. Significa Professor Khangsar.
13
Hevajra é o principal tantra Sakya. Tantra é um texto relacionado à prática de uma divindade, no caso Hevajra. O Tantra de Hevajra foi transmitido por Nairatma (consorte de Hevajra) ao monge indiano Virupa (837 - 909) no ano de 897, ano de Cristo. Após isto, Virupa se tornou um Mahassida, ou seja, um ser tão poderoso que era capaz de imobilizar o Sol com um sinal de sua mão. Os ensinamentos derivados do Tantra Hevajra são chamados de Lamdré (caminho que inclue o resultado).
14
Vajrapani é um dos mais populares Bodissatuas. Geralmente aparece em sua forma "irada".
15
Vajra Khusho, como é conhecida a irmã de Sakya Trizin, mora atualmente no Canadá, onde trabalha. Ainda que seja uma das maiores Lamas mulheres do mundo, vive modestamente e orienta um círculo limitado de discípulos em sua casa. Ela é considerada uma divindade em pessoa.
16
Sua Santidade Sakya Trizin deu o Druthab-Kuntu na inauguração do Mosteiro Tharlam, em Boudhanath, Kathumandu, Nepal. Começou no dia 27 de Dezembro de 1993 e durou três meses (janeiro, fevereiro e março) sendo o último mês quase todo só para os monges. De 8 às 12 horas, e de 13 às 18 horas todos os dias, havia cerca de 1200 monges, a maioria Sakya, muitos tibetanos, alguns leigos vindos de todo o mundo. Entre eles havia um brasileiro. Em frente do trono de Sakya Trizin, seus dois jovens filhos e os grandes lamas. À sua esquerda os leigos europeus, americanos e aziáticos. À sua direita, sua família e amigos. Atrás uma estátua de Buda da altura de um prédio de 3 ou 4 andares (altura do Templo). Fora do Templo, a multidão ouvia a voz do guru através de microfones. Dentro, o Lama Kelsang traduzia para o inglês, que era retransmitido por um pequeno transmissor FM para os estrangeiros (Lama Kelsang mora nos USA). O Druthab Kuntu parece que só é transmitido duas vezes em cada vida, e Sua Santidade disse que seu filho dará a próxima.
17
Mahakala, ou grande negro, é uma divindade protetora. Havia à cerca de 80 ou 90 tipos de Mahakalas na Índia Antiga, segundo Korchen Tulku.
18
Segundo consta, na vida anterior Sakya Trizin era um famoso Lama Nyngma.
19
As quatro tradições do Budismo Tibetano não são conflitantes entre si, mas vêm da mesma raiz. A diferença está em certos textos e rituais que cada uma costuma usar. É de certo modo "errado" pensar "eu sou desta tradição e você é de outra". Todos são Budistas. É como se houvesse uma escola com quatro grandes mestres, todos ensinando a mesma matéria, mas cada qual com sua pedagogia própria.
20
Sakya Trizin é o chefe da linhagem Sakya. Gyalwa Karmapá é o chefe da linhagem Karma Kagiu. Penor Rimpochê é o atual chefe da linhagem Nyngma. Yeshi Dhondup é o atual chefe da linhagem Gelupa. O Dalai Lama é o guia espiritual do povo tibetano e está acima das 4 linhagens, sendo venerado por todas.
21
Lumbini onde o Buda nasceu; Bodh Gaya, onde se iluminou; Sarnath, onde pregou pela primeira vez; e Kushinagara, onde faleceu.
22
Sakya Pandita é o 12º Detentor do Lamdré, é um dos grandes Lamas de todos os tempos. Suas obras foram famosas no mundo inteiro até hoje, e traduzidas para o Sânscrito (em geral era o contrário: do Sânscrito para o Tibetano). Levou o Budismo através do Oriente até a China.




A Sabedoria Essencial do Budismo

Segunda Parte

“Se você quiser saber o seu futuro examine suas ações no presente”





P. Sua Santidade, por que devemos praticar os ensinamentos budistas?



R. Gostaria de responder a esta pergunta descrevendo os três tipos de pessoa que pratica o budismo. Falando de maneira
genérica, desde o pequeno inseto até o mais inteligente ser humano tem o seguinte ponto em comum: todos desejam ser felizes
e todos desejam evitar o sofrimento. A maioria dos seres humanos não compreende qual é a causa do sofrimento, ou o que
causa a felicidade. Os ensinamentos budistas e a sua prática poderão responder a estas questões.





P. Quais as causas do sofrimento e da fel ic idade?



R. O Ratnavali, de Nagarjuna, diz: “Toda ação que nasce do desejo, aversão e ignorância produz sofrimento; toda ação
que nasce da ausência de desejo, aversão e ignorância produz felicidade”.



Ora, como eu estava dizendo, existem três tipos de pessoa. Como todos os outros seres, a pessoa mais baixa deseja ser feliz e
não deseja nem o sofrimento nem o nascimento nos reinos inferiores de existência, e por isso ela pratica o budismo para criar
as causas de renascimento no reino humano ou nos reinos celestiais dos deuses. Ela não tem o poder ou a coragem de deixar
completamente o Mundo da Existência. Ela apenas deseja a melhor parte do Mundo da Existência, ela deseja evitar a pior
parte, e é por isso que ela pratica a religião budista: para conseguir um renascimento mais elevado.



Agora a espécie de pessoa mediana compreende que a totalidade do Mundo da Existência. não importa onde ela renasça, é
sofrimento pela sua própria natureza, assim como o fogo é quente pela sua própria natureza. Ela deseja livrar-se de tudo e
atingir o Nirvana, o estado que está completamente além do sofrimento.



A pessoa mais elevada compreende que, assim como ela não deseja o sofrimento, e deseja a felicidade, da mesma forma todos
os seres vivos têm os mesmos medos e os mesmos desejos. Ela sabe que, desde que vimos renascendo repetidamente desde
um tempo sem princípio no Mundo da Existência, não existe um único ser consciente que não tenha sido nossa mãe ou pai em
algum tempo. E como nós estamos tão pertos de todos os seres sencientes, a pessoa elevada é aquela que pratica Budismo a
fim de retirar todos esses incontáveis seres do sofrimento.





P. Como devemos praticar?



R. O início de toda prática budista consiste em duas coisas importantes: meditação das Quatro Recordações e Tomada de
Refúgio.



As Quatro Recordações são 1, sobre a dificuldade de conseguir um nascimento humano, 2, a impermanência de todas as
coisas samsáricas, 3, o sofrimento do Mundo da Existência e 4, a lei do Carma, a qual significa Causa-e-Resultado.



Falando de maneira genérica, (1) é muito difícil nascer como ser humano. Nós pensamos que há muitos seres humanos, mas se
nós comparamos com o número dos outros seres compreendemos quão poucos nós somos. Por exemplo, em cada um de
nossos corpos existem milhões de germens, micróbios, vírus e assim por diante. Estatisticamente as chances de atingir a vida
humana são muito poucas. Em certos casos existem muitos lugares de renascimento que não são bons para um ser, como por
exemplo onde ele não será capaz de encontrar os ensinamentos do Buda. Existem Oito Desfavoráveis Lugares de nascimento:
1, nos reinos dos infernos, 2, dos espíritos ávidos e 3, dos animais. 4, dos bárbaros, 5, lugares onde os ensinamentos religiosos
são incorretos, 6, onde não existe Buda, 7, certos reinos dos deuses e 8, o reino das pessoas mudas. Mesmo que consigamos
um nascimento humano, existem Dez Condições Necessárias: 1, é necessário nascer num lugar em que o Buda tenha vindo, 2,
um lugar no qual o Buda realmente pregou a religião, 3, um lugar no qual o ensinamento ainda viva, 4, onde os mestres são com
passivos o bastante para ensinar, 5, e onde existam seguidores budistas como monges e praticantes leigos. Também existem
cinco circunstâncias externas necessárias para si próprio: a pessoa não deve ter cometido nenhuma das cinco faltas
ilimitadas[23], porque isto poderia criar grande obstrução.



Esta dificuldade é explicitada também de outras maneiras. A causa do nascimento humano é a realização de atos virtuosos e a
guarda da conduta moral correta; portanto, como só poucas pessoas estão atentas para isto, o nascimento humano tem uma
causa muito rara. De acordo com a natureza, é muito mais fácil nascer de qualquer jeito. A dificuldade é ilustrada com um
exemplo: imagine uma tartaruga cega vivendo no oceano. Flutuando na superfície do oceano está uma roda de um carro de boi.
A tartaruga vem à superfície apenas uma vez a cada Século. Pois bem, há maior chance de a tartaruga colocar sua cabeça no
buraco da roda do que nós termos um nascimento cm forma humana.



A Recordação da Impermanência (2) é que. o Buda disse, “Os três reinos da existência são como nuvens no outono; o
nascimento e a morte são como os movimentos de um dançarino; a vida dos seres é como uma cascata, como um flash de luz
no céu; não pára nem um só momento e logo que começa vai inevitavelmente para sua conclusão”. Tudo é mutável:
exteriormente mudam as estações, à primavera se sucede o verão, o outono, o inverno. A criança cresce no adulto e o adulto
se torna velho; os cabelos de pretos se tornam brancos, a pele enruga, a vida decai. Isto não é assim? Todas as coisas mudam
constantemente. Não existe um único lugar onde alguém pode escapar da impermanência. E como tudo muda constantemente,
nós nunca sabemos quando o fim vai acontecer. Uma pessoa pode estar com a saúde perfeita hoje. e já amanhã morrer. Nós sabemos duas coisas acerca da morte: Que é certo ela vir, e que não temos nenhuma idéia de quando ela virá. Isso pode acontecer a qualquer momento, e existem muitas coisas, interna e externamente, que podem ser sua causa. Portanto, se você
quiser praticar Budismo, você tem de compreender que tem de começar imediatamente. Você nunca pode estar seguro de amanhã poder fazer qualquer coisa.





P. Como isto nos ajuda? A prática do Budismo vai-nos fazer menos impermanentes?



R. Não nos vai fazer menos impermanentes, mas vai-nos dar a certeza de que, em nossas próximas vidas, teremos menos
sofrimentos. A prática do Dharma, da religião, significa resumidamente evitar as ações não virtuosas e realizar as ações
virtuosas. Quando você se conduz desta maneira é óbvio que você será feliz no futuro.





P. Isto significa que, se nós esperamos menos desta vida, nós também sofreremos menos?



R. (3) Como eu disse antes, não importa onde você esteja no Mundo da Existência, você estará sofrendo; sofrimento de
três tipos: sofrimento do sofrimento, sofrimento da mudança e sofrimento da existência condicionada. O sofrimento do
sofrimento aparece quando você tem uma dor de cabeça ou alguma coisa como tal. É o simples sofrimento que qualquer um
aceita e pensa que é sofrimento. O sofrimento da mudança é o sofrimento envolvido na percepção da mudança. Você está com
os amigos hoje, mas tem que partir; quando você vai, encontra inimigos. Nada é estável, e vendo isto nós experimentamos o sofrimento da mudança. O sofrimento da existência condicionada significa a insatisfatoriedade da atividade mundana. Nós fazemos muitas coisas no mundo, mas nunca estamos realmente satisfeitos. Existem sempre mais coisas a fazer, que nós não podemos fazer e isto nos causa uma frustração que é sofrimento.



No mais baixo dos Seis Reinos estão os Reinos Infernais, com excessivos calor e frio, e os “infernos vizinhos” que são também
estados de grande sofrimento, e que duram por um período de tempo incrivelmente longo. A causa desses estados de
sofrimento é o ódio. Depois existe o Reino dos Espíritos Ávidos que estão torturados por comida e bebida que eles não
conseguem engolir, isto é o resultado do desejo e da avareza, O Reino Animal é bem conhecido por nós e nascer ali é causado
pela ignorância. O Reino Humano, também, nós conhecemos. O quinto Reino é dos Semideuses que estão constantemente
engajados na guerra contra os deuses devido à inveja e que por isso vão naturalmente sofrer em suas futuras vidas. Os Deuses
parecem realmente confortáveis. Eles desfrutam de grandes prazeres e de uma vida imensamente longa, mas cedo ou tarde
experimentam a velhice e a morte. Como eles nada fizeram e apenas desfrutaram, eles não criaram o mérito para conseguir um
renascimento elevado e vão cair nos estados de grande sofrimento. Os três Reinos Inferiores experimentam exclusivamente o
sofrimento do sofrimento; os humanos experimentam todos três, mas principalmente os dois primeiros; enquanto que os deuses
sofrem fundamentalmente os últimos dois tipos de sofrimento.



A última das Quatro Recordações é o Carma, a Lei de Causa e Efeito. De um ponto de vista Budista, todas as coisas que
temos hoje e todas as coisas que fazemos têm uma causa no passado. De fato é dito que, se você deseja saber o que você foi
no passado, deve ver a sua situação presente; se você é rico ou pobre. feio ou belo, isto é resultado das ações passadas.
Assim o futuro, se será feliz ou de outra maneira vai depender do que você está fazendo hoje. Todas as coisas que você faz
hoje vão produzir um resultado no futuro. Se a raiz de uma árvore é medicinal, as flores, as folhas, a casca , tudo que nasce da
árvore será medicinal. E como isto, todo ato que nasça fora do desejo, aversão e ignorância vai produzir felicidade. Se a raiz
da árvore é venenosa, então todas as coisas que nascem da árvore vão ser venenosas, assim como as ações do desejo, da
aversão e da ignorância produzem sofrimento.





P. Existe uma prática baseada na Lei de Causa e Efeito?



R. A Lei de Causa e Efeito, Carma, é um dos principais ensinamentos do Budismo. Significa que você teria sempre de
praticar coisas virtuosas, já que as ações não-virtuosas vão sempre produzir sofrimento nesta vida assim como na próxima. Se
você não deseja sofrer deveria evitar sua causa; se não existe a causa, não vai haver o resultado, assim com se a raiz da árvore
é removida não haverá mais fruto. Se deseja felicidade deve ter muito cuidado com a causa da felicidade, assim como se
deseja que a árvore cresça deve ter cuidado com sua raiz. Se a raiz é defeituosa, a árvore não medrará.



Assim, antes de começar qualquer meditação deve contemplar estas Quatro Recordações muito cuidadosamente e após isso
deve Tomar Refúgio. Tomar Refúgio marca a diferença entre Budistas e Não-budistas: significa que você renuncia, que você se
asila.





P. De que maneira renuncia?



R. Você renuncia de si mesmo. Como eu disse, a Existência Mundana é cheia de sofrimento. Existem muitos sofrimentos
óbvios e também muitos que são menos óbvios e os quais as pessoas comuns não percebem. Desejamos estar livres desses
sofrimentos, mas presentemente não temos total conhecimento ou total poder para fazer isto, assim não existe quase nada que
possamos fazer por nós mesmos acerca disto no presente. Ora, quando você empreende uma ação importante, busca ajuda de
uma pessoa poderosa: se você está doente. consulta um médico, e se você tem um problema com a justiça, procura um
advogado. Assim. quando você deseja proteger-se do sofrimento da Existência Mundana, tem de tomar Refúgio na Jóia
Tríplice. que é o verdadeiro auxílio para este empreendimento. A Jóia Tríplice consiste no Buda que é o Guia, no Dharma ( ou
Religião) que é o nosso Caminho, e na Sangha que significa aqueles companheiros espirituais. Desta maneira, o Refúgio Final é
apenas o Buda: o Dharma ou Ensinamento tem duas partes: o Ensinamento e a Realização. O Ensinamento é o Tripitaka (
discursos de Sutras, Adhidharma e Vinaya), mas isto é apenas um barco que você usa para cruzar o rio: quando chega do
outro lado, simplesmente deixa isto para trás. A Realização também tem duas partes: a Verdade da Cessação, e a Verdade do
Caminho. A primeira destas é vazia, shunyata, portanto não pode ser um Refúgio final. Assim como a Sangha, mesmos os seus
mais elevados membros ainda estão no Caminho, portanto não podem ser um Refúgio final. De forma que, realmente, o
Refúgio está apenas no Buda, mas nós tomamos Refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha.





P. Isto significa que o Buda é permanente?



R. Sim, sim. O Buda é evidentemente permanente. O Dharmakaya, “o Corpo Verdadeiro”, está além de permanência e
impermanência; e o Sambhogakaya, “o Corpo de Bênção”, também existe. O Nirmanakaya, “o Corpo Aparente”, é a forma
que o Buda toma nesta Terra, e tem a aparência de impermanência, ainda que esteja sempre presente em todo lugar, mesmo
aqui.





P. O que é a real prática de tomar Refúgio?



R. Tomar Refúgio é realizado de maneira diferente de acordo com intenção de três tipos de pessoa que executa isto, ainda
que as três causas medo, fé e compaixão fazem o mesmo. A real prática é a recitação da prece de Refúgio. A prece mais
simples diz, “Eu tomo Refúgio no Buda, eu tomo Refúgio no Dharma, eu tomo na Sangha”. A reza mais elaborada diz, “Eu
tomo Refúgio no Buda, Dharma, Sangha até atingir a Iluminação; pelo mérito de fazer desta maneira possam todos os seres
alcançar o estado de Buda”.



Mas a mera recitação da prece com sua voz não suficiente; isto deve ser recitado do coração. Se você desejar refugiar-se da
chuva, não vai ser de nenhuma ajuda para você dizer casa, você tem que ir e pegar um guarda-chuva, e se fizer isso você
estará a salvo da chuva evidentemente. Portanto é necessário tomar Refúgio muito seriamente, com a total crença e, além disso,
pensar que, não importa o que aconteça, vai buscar Refúgio apenas na Jóia Tríplice e que você vai sempre permanecer sob
esta proteção. Recitando a prece desta maneira e com esta intenção é a primeira prática do Budismo e uma das fundações de
toda prática . Tomar Refúgio desta maneira distingue o Budista do não-Budista.



Ainda que esta recitação seja suficiente para fazer de você um budista, é comum uma pequena cerimônia realizada em frente do
guia espiritual. Ele vai pronunciar as palavras da prece que os discípulos repetirão depois dele, prometendo também eles
sustentar os ensinamentos morais do Budismo. Deste tempo em diante, você continua a recitar esta prece com grande
devoção.





P. Um renascimento animal é realmente possível para um ser humano?



R. Sim, realmente. Existem muitas estórias de seres animais renascidos como humanos devido às suas boas ações e de
seres humanos renascidos como animais, também, como resultado de suas ações más. Alguns animais são extremamente
carinhosos, especialmente para com seus filhotes, e por trabalhar duramente eles podem criar suficientes causas de atingir um
nascimento humano.





P. Por que o nascimento humano é tão importante?



R. O nascimento humano é extremamente precioso porque, através da vida humana, você pode atingir não somente o mais
alto renascimento e Nirvana, como também podemos praticar o Dharma e conseguir a Iluminação.





P. Realmente nos ajuda ficar pensando muito na impermanência? Nós sempre sabemos que somos impermanentes e
pensar muito nisto vai-nos deixar deprimidos.



R. Sim, isto ajuda. Tsongkhapa disse, “O prisioneiro tem apenas um pensamento: Quando pode ele sair desta prisão? Este
pensamento nasce constantemente em sua mente. Seu pensamento sobre a impermanência deve ser assim; medite sobre a
impermanência até que este estado de mente apareça”.





P. Nós estamos mesmos na condição de prisioneiros? Freqüentemente encontramos coisas agradáveis no Mundo da
Existência.



R. Mas este prazer não é permanente, não é? Os grandes prazeres podem levar ao desastre, não é? Assim nós estamos
felizes agora, mas não sabemos o que pode acontecer na próxima hora. Pode ser o completo desastre.



Uma vez que o prazer é impermanente, que é realmente incerto, você não tem a verdadeira felicidade porque o seu prazer está
colorido pela ansiedade. De fato, você não é nunca verdadeiramente feliz porque não sabe o que vai acontecer e assim a
ansiedade fica inevitável.





P. Os infernos são metáforas para estados de muito sofrimento ou eles realmente existem tais como são descritos nos
Sutras Budistas?



R. Alguma coisa realmente existe, penso. Realmente é dito nos Sutras que eles realmente existem muito mais terríveis do
que são descritos porque, diz-se, o Buda não os descreveu completamente. Se Ele os tivesse descrito completamente as
pessoas desmaiariam.





P. Como podem ser reais?



R. São tão reais quanto a vida que vivemos hoje. Sim, muitas pessoas pensam que eles não são reais, que são como um
sonho. Mas realmente somos felizes e infelizes nos sonhos, tão real quanto nós somos quando acordamos. Esta experiência
presente também não é real, mas pensamos que tudo ao nosso redor é real. O inferno é tão real quanto isto. Claro que o
inferno, também , em realidade, não é real. Isto também não é real. O que é isto, então?





P. Os Budas sofrem?



R. Não, eles não sofrem. Eles estão absolutamente livres do sofrimento.





P. Eles vêem o sofrimento?



R. Eles também não vêem o sofrimento.





P. Então como eles podem ajudar as pessoas que estão sofrendo?



R. Eles não sofrem. Esta resposta marca uma das diferenças entre as Ordens Sakya e Gelugpa; os Gelugpas dizem que os
Budas vêem o sofrimento e nós dizemos que eles não vêem. O homem que acordou do sono não tem sonhos. Esta impura cena
samsárica de sofrimento é como um sonho, é como uma ilusão. Assim o homem que acordou desta ilusão não pode mais
sonhar outra vez. Mas devido à sua Bodhicitta (mente de iluminação) e sua compaixão a ajuda aos outros espontaneamente
nasce. Mas o Buda em si mesmo não mais vê o sofrimento. Para ele todas as coisas são transformadas em pura aparência.





P. O Buda está envolvido no “Carma”?



R. Ele pode conseguir o resultado cármico final, o mais alto e o melhor resultado de Carma.





P. Pode alguma coisa acontecer para nós que não seja resultado de nossas próprias ações?



R. Não, nunca.





P. Pode o Buda perceber o resultado de suas próprias ações e das dos outros?



R. Sim, por exemplo tem havido muitas profecias, mas eu não penso que o Buda veja ou perceba estes resultados. Onde
existe necessidade de profecia isto apenas acontece espontaneamente.





P. Podemos modificar o resultado das ações passadas?



R. Certamente. A meditação Vajrasattua pode purificar muitas de nossas más ações, porém em todo caso a criação de boas causas e o mérito é de muita ajuda e
necessidade.