quinta-feira, 29 de julho de 2010

SAKYA TRIZIN: UMA ENTREVISTA



A Sabedoria Essencial do Budismo


A VIDA E O ENSINAMENTO DE UM DOS MAIORES LAMAS,
CHEFE SUPREMO DA LINHAGEM SAKYA
DO BUDISMO TIBETANO,
NUMA ENTREVISTA PESSOAL.

Primeira Parte

"Nós Fizemos muitas adivinhações e todas elas diziam a mesma coisa".
SAKYA TRIZIN

S.S. SAKYA TRIZIN



P. Sua Santidade, o senhor poderia dar-nos uma idéia de sua vida?
R. Talvez eu tenha de começar contando a vocês o que aconteceu antes de meu nascimento. O título "Sakya Trizin" significa "Detentor do Trono de Sakya", e meu avô tinha sido o último Trizin em nossa família. Para ter um filho, meus pais foram em peregrinação ao monte Kailash, ao Nepal, a Lhasa e ao Sul do Tibet, mas não havia o menor sinal de que um filho pudesse nascer. Eles já tinham perdido todas as esperanças quando chegaram ao Mosteiro Nalanda, um importante Mosteiro Sakya, ao norte de Lhasa, e contaram aos abades do mosteiro sobre isso. Os chefes ficaram comovidos e muito preocupados, porque a linhagem da nossa família, a linhagem do Palácio Dolma, possuía a tradição do mais esotérico ensinamento Sakya e além disso muitos dos chefes do Mosteiro tinham recebido esses ensinamentos de meu avô, e assim para eles a continuação da nossa família era muito importante1. Eles pediram a meus pais para não perderem a esperança e ofereceram um dos seus melhores mestres para viajar com meus pais, o Lama Ngawang Lodro Rinchen. Representava grande perda para o Mosteiro, mas ele era um Lama muito poderoso que poderia realizar todos os diferentes rituais, e em particular suas preces tinham causado o nascimento de crianças para mulheres que eram incapazes de ter filhos antes. Depois disto ele viajou com meus pais, e juntos fizeram muitos rituais e preces para que nascesse um filho. Por fim ficou claro que as preces foram atendidas, e meus pais foram para Tsedong, uma pequena e agradável cidade perto de Shigatse. Decidiu-se que ali era um bom lugar para uma criança nascer, particularmente talvez pela sua reputação como lugar de nascimento de muitos grandes mestres Sakya, como Ngachang Chenpo Ngawang Kunga Rinchen. De fato eu nasci no mesmo quarto de Ngachang Chenpo2.
Um outro problema nasceu: a sucessão de dias inauspiciosos astrologicamente. Como meus pais queriam que eu nascesse num dia auspicioso, muitas preces foram feitas. E eu não nasci num dia ruim: nasci no primeiro dia do oitavo mês tibetano (7 de setembro, 1945), que é considerado muito bom. Diz-se que foram vistos sobre a casa arco-íris, e uma imagem de Guru Rimpochê foi oferecida a meu pai, o que eram bons sinais3; mas naturalmente eu não sabia de nada disto.
P. O que acontece quando um filho nasce na sua família sagrada?
R. A primeira coisa, logo que a criança nasce, é que a letra DHIH, a letra de Manjusri4 que representa palavra e sabedoria, é escrita na língua da criança com um néctar especial feito de açafrão e muitas outras coisas.
P. Quando o Senhor foi para Sakya?
R. Isto foi depois. Disse que meu nascimento foi celebrado em Tsedong, e foi depois disto que nossa família fez uma pequena peregrinação ao famoso santuário de Guru Rimpochê no Sul do Tibet. Depois disso nós retornamos a Sakya onde meu nascimento foi celebrado de novo de maneira mais elaborada.
P. Seus pais morreram quando o Senhor ainda era muito pequeno, não?
R. Sim. Eu não posso lembrar-me de minha mãe. Ela morreu quando eu tinha dois ou três anos, mas eu me lembro de sua irmã, minha tia. Ela foi como uma mãe, para mim. Meu pai morreu em 1950, quando eu tinha cinco anos. Disso eu me lembro muito bem.
P. Quantos anos tinha o Senhor quando os seus estudos começaram?
R. Eu tinha cinco anos. Naquele mesmo ano, Lama Ngawang Lodro Rinchen deu-me minha primeira lição sobre o alfabeto. Nós fomos a um especial altar de Manjusri em Sakya, onde ele me deu a consagração de Manjusri e Achala, e então foi trazida uma antiga cópia do alfabeto Tibetano escrita em ouro, que era usada especialmente pelos filhos de nossa família. Lama Ngawang leu as letras em frente da imagem de Manjusri e eu repeti depois dele. Isto era a cerimônia. Depois disto eu tive outro mestre de leitura.
P. Os seus estudos espirituais também começaram?
R. Sim. Tive de memorizar e recitar preces a Manjusri. Lembro-me claramente de tudo isto. Depois da cerimônia, tinha de soletrar sete horas por dia, seis dias por semana, por aproximadamente dois anos. Nós Tibetanos dizemos que quanto mais você pratica soletrando, mais rapidamente você estará apto a ler.
P. Onde o Senhor recebia ensinamentos religiosos nesse tempo?
R. Eu recebia consagrações freqüentemente. De fato, eu recebi as bênçãos de Amitayus5 para longa vida logo que nasci, de meu pai. Quando eu tinha quatro anos, recebi a Consagração de Vajra Kila (Dorje Phurba)6, de meu pai.
Lembro-me disso muito claramente. Estava sentado no colo de uma atendente pessoal muito querida, e lembro-me, também, quando meu pai deu a parte irada da Consagração7, ele estava usando um chapéu e um costume do dançarino do chapéu preto, e fez rituais de dança. Lembro-me mesmo de quem tocou os instrumentos musicais!
P. Onde aconteceu isto?
R. No Palácio Dolma. O Palácio Dolma é um enorme palácio, com três principais santuários e muitas outras salas. Ao todo tem cerca de oitenta quartos, e todos os ensinamentos eram dados numa dessas salas de santuário8.
P. O Senhor saía algumas vezes do Palácio?
R. Ah, sim, mas não freqüentemente para a cidade. Havia uma área aberta muito ampla de campos ao redor do Palácio, e o rio corria quase perto. Quando não estava estudando, eu costumava sair com um atendente para brincar junto com outras crianças.
P. Quando seus estudos religiosos começaram seriamente?
R. Comecei a estudar leitura no verão de 1950, e no outono fui para o Mosteiro Ngor onde recebi o Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré). Meu Guru para isso foi o Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo, Abade da Khangsar Abadia de Ngor9.
P. De que maneira o Senhor se lembra dele?
R. Ele era um Lama muito santo, muito avançado espiritualmente, sempre muito calmo, muito lento nos movimentos, e ele fazia tudo com muita perfeição. Naquela época já era muito velho. Ele proferiu o ensinamento em seu próprio quarto para um pequeno grupo, talvez trinta ao todo. Naquele tempo eu era muito pequeno e quase não conseguia ler. Lembro-me de que eu estava no colo de Khangsar Shabdrung, o sucessor Abade, que segurava as páginas em minha frente e assim eu podia ler as preces introdutórias cada dia. Enquanto o Abade estava ensinando a parte Mahayana pude entender bastante bem, mas não pude entender a seção Tântrica muito bem10. Fiquei muito tempo com o Abade, e enquanto isso continuava a prática de soletração e leitura, lendo algumas biografias. Fiquei cerca de quatro meses em Ngor, estudando, e depois retornei a Sakya.
No ano seguinte visitei Lhasa pela primeira vez e encontrei Sua Santidade o Dalai Lama que me confirmou como "designado Sakya Trizin". Fiquei quatro meses em Lhasa visitando muitos mosteiros ali e no Tibet Central. Nós visitamos Nalanda e também Samyé, e então retornamos através do Sul do Tibet onde visitei muitos lugares sagrados e mosteiros em peregrinação11.
Durante aquelas visitas eu trabalhava duramente memorizando o Hevajratantra, que é o texto básico da prática religiosa Sakya. Então, no início de 1952, fui entronizado numa cerimônia simples; como eu era então muito jovem a entronização total viria mais tarde. Eu tive de recitar completo o Hevrajratantra em frente dos monges oficiais e mestres do mosteiro tântrico em Sakya: isto era considerado um teste de habilidade por que todos os monges tinham de passar. Eu tinha apenas seis anos, mas é com felicidade que digo que passei recitando tudo corretamente. Depois disto, assisti à recitação mensal daquele Tantra por todos os monges do Mosteiro Tântrico: era a primeira cerimônia a que eu assistia ali. Depois deixei Sakya para assistir à entronização do Panchen Lama em Shigatse, que durou muitas semanas. Naquela viagem eu já fui com a total dignidade e acompanhamento de um Sakya Trizin.
Retornei a Ngor no verão para receber o Ensinamento Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré) de Khangsar Khenpo12, durante o qual ele teve de freqüentemente parar para dar outros Ensinamentos, como as instruções de Vajra-Yogini, o Zenpa Zidel e muitas outras importantes instruções. Ao todo, o curso durou um ano, até que eu tive de retornar a Sakya, a pedido dos chineses, para algumas palestras. No início de 1953, outra vez retorno a Ngor para retomar os estudos ali, mas infelizmente Khangsar Khenpo faleceu justamente antes que tivesse terminado o total ensinamento o que foi concluído por seu sucessor. Retornei a Sakya antes de setembro porque naquele ano eu testemunharia a cerimônia anual do ritual de Vajra Kila, que ocorre sempre no sétimo mês tibetano. A seguir iniciei um retiro de meditação de Hevajra no Palácio Dolma13.
P. Foi seu primeiro retiro?
R. Não. Quando recebi o primeiro Lamdré realizei o retiro de Amitayus e a seguir dei a consagração para meu Guru, Khangsar Khenpo. Também no intervalo entre os dois ensinamentos de Lamdré realizei o retiro de Bhutadamara, a especial forma de Vajrapani14, por um mês. Mas aquele foi o primeiro retiro maior que realizei. Durante o retiro, houve muitas dificuldades. Eu tinha um mestre muito rigoroso e tinha permissão de ver apenas minha tia, meus dois servidores e meu mestre. Ainda que eu estivesse muito bem durante todo o tempo, meu mestre caiu muito doente durante a primeira metade do retiro. Muito, muito doente e nós tínhamos muita dificuldade devido à sua doença. Todavia o retiro terminou com sucesso. E digo "nós" porque minha irmã15 fazia o mesmo retiro ao mesmo tempo, mas em quartos diferentes, a pouca distância. É claro que não nos era permitido encontrar-nos, mas comunicávamo-nos por notas escritas.
Depois do retiro, meu mestre permaneceu doente por meses e durante este período tive umas longas férias! Fiquei um pouco selvagem e gostava de perambular e fazer o que me agradasse. Minha tia ficou um pouco preocupada e contratou um professor temporário para o qual eu tive de memorizar os textos do Vajra-Kila, seja para prática diária, seja para o longo ritual.
Então naquele verão de 1954 o sucessor de Khangsar Khenpo foi convidado a Sakya para dar o Druthab Kuntu, a coleção de meditação tântricas e ensinamentos coligidos e editados pelo primeiro Khyentse Rinpochê16. Isto durou três ou quatro meses e foi realmente uma ocasião agradável. Todo o Ensinamento foi dado na casa de verão no nosso parque do Palácio Dolma, e Kungsar Shabdrung falava de uma maneira muito livre. Por aquele tempo, meu professor se recuperou da doença e ensinou-me o ritual de danças que vão com as práticas Kila. Em setembro, assisti às cerimônias de um mês de Kila. Eu não era o mestre de cerimônias naquele ano, mas tomei parte nas danças e assisti de perto as cerimônias diárias. O próximo passo foi receber o ensinamento Mahakala17de Lama Ngawang Lodro Rinchen, depois do que fui direto para retiro para meditar naquele protetor por um mês. Eu recebi mais ensinamento Mahakala de Lama Ngawang, e o Thangtong Nying-Gyud de Drupchen Rinpoche, um grande iogue Nyngma e uma encarnação do santo tibetano Thangtong Gyalpo. E logo entrei num retiro de Vajra-Kila por três meses. Durante este tempo, minha irmã, que naquela época tinha dezesseis anos, estava dando o ensinamento de três meses de Lamdré. E nunca tinha feito o retiro de Kila, portanto eu fui consultado a dar-lhe a consagração quando terminasse o retiro. Esta foi a primeira maior consagração que dei. Cerca de sessenta monges vieram receber o Lamdré, mas muitas outras pessoas chegaram para a Consagração Kila: cerca de mil, eu penso. E isso tudo quando eu tinha nove anos.
P. Como o Senhor se lembra de Lama Ngawang Lodro Rinchen?
R. Ele era o Lama que me tinha causado ter renascimento humano18. Ele era verdadeiramente um Lama maravilhoso, muito rigoroso na observação dos papéis Vinaya de disciplina, nunca comia depois do almoço, nem usava peles nem camisas com manga. Seus braços estavam sempre descobertos, não importa quão frio fazia e não importa quão frio havia em Sakya - e Sakya era realmente um lugar muito frio - seu quarto estava sempre morno como se tivesse um aquecimento central. Na sua casa nós podíamos colher flores, nós podíamos buscar água. Em outro lugar nós nunca podíamos achar água durante o inverno: se nós puséssemos água numa garrafa ela logo congelava em poucos minutos e quebrava a garrafa!
P. Sua Santidade teve uma infância árdua. Que diversão o Senhor experimentou?
R. Eu costumava divertir-me indo para os campos ao redor do Palácio. O rio corre quase perto do Palácio e eu gostava muito de ir lá. Lembro-me quando eu assistia à Cerimônia Kila era acompanhado pelos atendentes até minha casa, vindo da cidade de Sakya. Mas quando eles saíam, logo que eles estavam longe das vistas, eu imediatamente tirava todas as minhas roupas de cerimonial e corria para o rio. Eu gostava de banhar-me ali, mas mesmo em setembro a água era muito, muito fria, terrivelmente fria. E também eu gostava de ir para a casa de verão, no parque. Nós tínhamos um velho gramofone, daquele tipo que você tem de dar corda, e uma pilha de velhos discos, a maioria marchas militares britânicas, mas também algumas canções folclóricas tibetanas, e nós gostávamos muito de ouvir aquilo.
P. O Senhor visitou Lhasa outra vez?
R. Sim, no verão de 1955 recebi muitos ensinamentos esotéricos do Lama Ngawang Lodro Rinchen, e no outono fui outra vez a Lhasa. No inverno recebi alguns pequenos ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama. Mas Lhasa estava mudada. Quando a visitei pela primeira vez, em 1951, encontrei uma capital Tibetana juvenil, tradicional e bela. Mesmo então os chineses já tinham chegado, mas se viam poucos chineses nas ruas. Porém na minha segunda visita em 1955 eu me dirigi de jeep de Shigatse para Lhasa e num jeep chinês! e Lhasa estava cheia de jeeps e caminhões. Havia gente chinesa e mercadorias chinesas em toda parte.
Fiquei cerca de seis meses em Lhasa, dando alguns pequenos ensinamentos e realizando danças sagradas e preces. Foi nesta época que encontrei pela primeira vez o Venerável Jamyang Khyentse Rinpochê, e me tornei muito próximo dele, visitando-o freqüentemente. Recebi muitos ensinamentos Sakyas dele, mas a maior parte dos ensinamentos que recebi dele foram realmente Nyingmapa19. No início do ano seguinte fiz outra visita ao Sul do Tibet e depois retornei a Lhasa onde eu tive de participar do Comitê Preparatório Chinês, junto com Sua Santidade o Dalai Lama e Sua Santidade Gyalwa Karmapa20 e outros proeminentes Tibetanos. Mas logo as intenções chinesas ficaram muito claras, mas nós sentíamos que era melhor tentar contornar a situação da melhor maneira possível, sem violência. Em todo caso, nossa pátria não era poderosa, no sentido militar do termo.
Retornei para Sakya no verão e depois, naquele mesmo ano, Khyentse Rinpochê veio para Sakya. No inverno, Sua Santidade o Dalai Lama foi à Índia em peregrinação pelo Buddha Jayanti, uma celebração, e eu O encontrei em Shigatse em seu caminho para a Índia. Pouco depois eu também fui à Índia, em peregrinação, visitando os quatro mais sagrados santuários da peregrinação budista na Índia: Bodh Gaya, Lumbini, Sarnath e Kushinagara21. Fiquei na Índia cerca de dois meses e então retornei a Sakya. No ano seguinte, 1957, outra vez cumpri um retiro de meditação de Vajra-Kila, e outra vez recebi a transmissão do Lamdré, desta vez do Abade do Mosteiro Tântrico em Sakya, o Venerável Jampal Sangpo.
P. Quando ocorreu a completa entronização de Sua Santidade?
R. Foi depois do ano novo, no início de 1959. Foi um acontecimento que exigiu muita preparação. No fim de 1959 a grande dança sagrada dos Protetores da Religião foi executada, e eu as presidi. A seguir, no ano novo, a entronização foi feita.
P. Como é desempenhada?
R. No Mosteiro Tântrico existe um grande pátio em frente ao templo que tem o telhado dourado. Neste templo está guardado o Trono Espiritual de Sakya Pandita, que está colocado ao lado do Trono Temporal de Chogyal Phagpa. Eu tive de sentar-me em cima deste e pregar um texto escrito por Sakya Pandita chamado A intenção do sábio22.
O ensinamento, que inclui uma pequena explanação, dura três dias. Depois disto, oferecimentos foram feitos por representantes de Sua Santidade o Dalai Lama, por representantes do Panchem Lama, de Sakya e de muitos outros Tibetanos assim como chineses, nesta ocasião. Depois disto foi feita uma grande procissão.
P. Isto deve ter ocorrido bem perto da sua vinda para a Índia, não?
R. Sim, eu saí para a Índia quase imediatamente depois.
P. Como o Senhor deixou o Tibet?
R. Foi uma coisa muito complicada. Naquele tempo as tensões estavam muito grandes e o povo só falava de Khampas e de Chineses, de Chineses e de Khampas. Nós fizemos muitas adivinhações e todas diziam a mesma coisa: que o Tibet estaria perdido e que muitas coisas terríveis poderiam acontecer. Mas nós ainda esperávamos. Até que um dia chegaram notícias de uma transmissão de rádio indiana que tinha havido uma batalha em Lhasa e que Sua Santidade o Dalai Lama tinha escapado para o sudoeste de Lhasa. Aí nós ficamos preocupados. Era impossível para mim sair diretamente de Sakya porque havia muitos espiões chineses. Assim eu fiz saber que estava saindo para um retiro num eremitério não muito longe de Sakya. Cheguei lá a salvo e mandei um aviso para minha tia e minha irmã juntarem-se a mim. Dali nós todos saímos de noite.
P. Qual foi a distância percorrida?
R. Não era muito grande a distância de Sakya para a fronteira do Sikkim. Nós chegamos com segurança ali cinco dias depois. Nosso grupo era constituído de apenas oito ou nove pessoas e, devido às circunstância, foi-me impossível levar comigo alguma das muitas coisas preciosas e sagradas que nós tínhamos em Sakya.
No Sikkim permaneci um mês em Lachen onde, lembro-me, comecei a aprender inglês e logo podia dizer algumas palavras simples. Logo recebi uma mensagem de Khyentse Rinpoche que dizia que ele estava muito mal em Gangtok, e assim eu fui até lá. A mensagem, de fato, foi trazida por um médico tibetano que tinha conhecido meu padrasto, ainda que eu não o conhecesse. Khyentse Rinpoche estava muito doente e eu fiz muitas preces para ele, mas ele ficou fraco e faleceu em julho de 1959.
Depois disto eu fui para Darjeeling e no inverno fiz uma peregrinação pela Índia e Nepal, retornando a Kalimpong e Darjeeling no início de 1960. Passei aquele ano e os dois subsequentes estudando filosofia com um Abade Sakya muito erudito chamado Khenpo Rinchen. Você vê, apesar de eu ter muitos ensinamentos e realizado muitos retiros no Tibet, eu nunca tinha tido tempo para estudar filosofia Mahayana muito bem, assim naqueles três anos aprendi filosofia Madhyamika, Lógica, Prajnaparamita, Abhidharma e outros assuntos. Então, no final de 1962, como houvesse uma guerra entre a Índia e a China, deixei Darjeeling e vim para Mussoorie.
O ano seguinte passei recuperando-me de uma tuberculose, mas no fim de 1963 já estava apto a assistir à Conferência Religiosa em Dharamsala. E em março de 1964 nós fundamos o Centro Sakya para funcionar como nosso principal mosteiro daí em diante, localizado aos pés de Mussoorie. Fui para Mussoorie receber aulas com o Venerável Khenpo Appey, um grande Mestre Sakya. Primeiro estudei os Tantras com ele e recebi muitas profundas explanações que ele tinha recebido de seu próprio mestre, o primeiro Deshung Rinpochê, o grande místico tibetano. Depois também estudei com ele filosofia Madhyamika, e além disso poética, gramática e aritmética. Em 1965 participei da segunda Conferência Religiosa em Bodh Gaya. Em 1966, peregrinei por Sanchi, nas cavernas de Ajanta e Ellora, mas apesar disso meus estudos continuaram ininterruptamente até 1967, quando Khenpo Appey foi para Sikkim. No inverno de 1967 eu ensinei o Lamdré pela primeira vez, em Sarnath. Eu tinha 22 anos, então. Cerca de 400 monges e talvez cerca de 100 leigos budistas participaram . No início do ano seguinte iniciamos nossa Instalação de Reabilitação Sakya, em Puruwala, para novecentos refugiados que vieram de Sakya. O lugar foi escolhido pela semelhança física com Sakya do Tibet, apesar de, naturalmente, ser muito mais quente.
Talvez eu devesse mencionar a sucessão de amigos do Oeste que ficaram ao meu lado durante aqueles anos, ajudando-nos no nosso trabalho de reabilitação, e com quem aprendi a falar o inglês.
Em 1970 um trágico acidente de motocicleta nos privou do Venerável Thutop Tulku, um monge jovem e muito capaz que organizou o Centro e a Instalação praticamente sozinho. Desde então, como eu já falava inglês bastante bem, assumi o trabalho de administração. Naquele outono, mudei-me para o Centro Sakya e desde então moro em Rajpur. 1971 e 1972 foram anos muito bons, pois o Venerável Chogye Tri Rinpoche estava conosco em Rajpur, dando a maior coleção de consagrações, a Gyude Kunta de Jamyang Khyentse Wangpo. Na primavera de 1974 casei-me e logo depois fiz a minha primeira visita ao Ocidente. Durante quatro meses visitei a Suíça, Inglaterra, o Canadá, os Estados Unidos e o Japão, dando ensinamentos religiosos e encontrando imigrantes tibetanos e budistas ocidentais. Em 19 de novembro de 1974 meu filho, Tungse Rinpoche, nasceu.
Na primavera seguinte, fomos em peregrinação ao completamente renovado mosteiro de Chogye Rinpoche em Lumbini, no Nepal. E depois disto eu fiquei dando ensinamento por um mês no nosso mosteiro Sakya em Boudhnath, Kathmandu. Mas para nossa grande tristeza minha tia, que me criou e em cujas decisões e trabalho eu me tinha apoiado durante toda minha meninice, faleceu. Em 1976 falei em Darjeeling. Conferi o Druthab Kuntu (Coleção de todas as Sadhanas) em Ladakh, Kashmir, e empreendi uma viagem de ensinamentos nos acampamentos de refugiados do Sul da Índia.
P. E no futuro?
R. Estou pensando muito em dar ensinamento no Ocidente outra vez.
P. Quem Sua Santidade considera ser seus principais Gurus?
R. Meu principal Guru foi Khangsar Khenpo, de quem recebi o Lamdré. Depois, meu pai; Khyentse Rinpoche; Khansar Shebdrung Rinpoche; Lama Ngawang Lodro Rinchen; e Sakya Khenpo Jampal Sangpo. Num grau menor Phende Khenpo, Drupchen Rinpoche e muitos outros.



Notas:
1
Sua Santidade está sendo modesto. Sua família é considerada sagrada: os primeiros membros da família Khön foram, segundo se diz, três irmãos da raça celestial chamada Lha-rig que desceram do céu de Abhasvara e se estabeleceram no pico de uma montanha de cristal do Tibet. Dois retornaram logo, mas o mais jovem, Yuse, permaneceu na terra e fundou a dinastia Khon (Apud AMIPA, S.G. The opening of the lotus. Londres, Wisdon Publications, 1987, p.138) Era muito importante não interromper esta linhagem.
2
Ngagchang Kunga Rinchen (1517-1584) é o 27º mestre detentor da linhagem do Landré que começa com Virupa. Sua Santidade Sakya Trizin é o 44º.
3
Guru Rimpochê foi introdutor do Budismo no Tibet. "Rimpochê" quer dizer "precioso".
4
Manjusri é o Bodissátua da Sabedoria que tudo atravessa. Os Bodissátuas permanecem na Existência para ajudar aos seres. Manjusri é simbolizado com uma espada (que tudo atravessa) e um lótus sobre o qual está o livro da Perfeição da Sabedoria. S.S. Sakya Trizin é considerado uma emanação de Manjusri.i
5
Buda para longa vida. Ele é uma transformação de Amitaba.
6
Divindade Nyngma que a Ordem Sakya também herdou. Sua prática elimina o ódio e as guerras, e outras atividades.
7
Consagração, ou Wang, significa "Iniciação", ou transmissão, autorização.
8
Infelizmente, segundo se diz, depois da invasão chinesa o Palácio Dolma foi transformado em prisão. Nada se sabe sobre os tesouros artísticos que abrigavam (quadros, estátuas etc). Quando a família Khon fugiu para o exílio, nada levou, pois não houve tempo nem condições como se vai ler adiante.
9
Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo (1876 - 1953) é o 6º detentor da linhagem Ngorpa (uma das sub-seitas Sakya).
10
Mahayana e Tântrica serão explicadas adiante.
11
Llhasa é a capital do Tibet. Nalanda e Samyé são famosos mosteiros.
12
A palavra Khenpô significa "mestre em filosofia", não é nome próprio. Significa Professor Khangsar.
13
Hevajra é o principal tantra Sakya. Tantra é um texto relacionado à prática de uma divindade, no caso Hevajra. O Tantra de Hevajra foi transmitido por Nairatma (consorte de Hevajra) ao monge indiano Virupa (837 - 909) no ano de 897, ano de Cristo. Após isto, Virupa se tornou um Mahassida, ou seja, um ser tão poderoso que era capaz de imobilizar o Sol com um sinal de sua mão. Os ensinamentos derivados do Tantra Hevajra são chamados de Lamdré (caminho que inclue o resultado).
14
Vajrapani é um dos mais populares Bodissatuas. Geralmente aparece em sua forma "irada".
15
Vajra Khusho, como é conhecida a irmã de Sakya Trizin, mora atualmente no Canadá, onde trabalha. Ainda que seja uma das maiores Lamas mulheres do mundo, vive modestamente e orienta um círculo limitado de discípulos em sua casa. Ela é considerada uma divindade em pessoa.
16
Sua Santidade Sakya Trizin deu o Druthab-Kuntu na inauguração do Mosteiro Tharlam, em Boudhanath, Kathumandu, Nepal. Começou no dia 27 de Dezembro de 1993 e durou três meses (janeiro, fevereiro e março) sendo o último mês quase todo só para os monges. De 8 às 12 horas, e de 13 às 18 horas todos os dias, havia cerca de 1200 monges, a maioria Sakya, muitos tibetanos, alguns leigos vindos de todo o mundo. Entre eles havia um brasileiro. Em frente do trono de Sakya Trizin, seus dois jovens filhos e os grandes lamas. À sua esquerda os leigos europeus, americanos e aziáticos. À sua direita, sua família e amigos. Atrás uma estátua de Buda da altura de um prédio de 3 ou 4 andares (altura do Templo). Fora do Templo, a multidão ouvia a voz do guru através de microfones. Dentro, o Lama Kelsang traduzia para o inglês, que era retransmitido por um pequeno transmissor FM para os estrangeiros (Lama Kelsang mora nos USA). O Druthab Kuntu parece que só é transmitido duas vezes em cada vida, e Sua Santidade disse que seu filho dará a próxima.
17
Mahakala, ou grande negro, é uma divindade protetora. Havia à cerca de 80 ou 90 tipos de Mahakalas na Índia Antiga, segundo Korchen Tulku.
18
Segundo consta, na vida anterior Sakya Trizin era um famoso Lama Nyngma.
19
As quatro tradições do Budismo Tibetano não são conflitantes entre si, mas vêm da mesma raiz. A diferença está em certos textos e rituais que cada uma costuma usar. É de certo modo "errado" pensar "eu sou desta tradição e você é de outra". Todos são Budistas. É como se houvesse uma escola com quatro grandes mestres, todos ensinando a mesma matéria, mas cada qual com sua pedagogia própria.
20
Sakya Trizin é o chefe da linhagem Sakya. Gyalwa Karmapá é o chefe da linhagem Karma Kagiu. Penor Rimpochê é o atual chefe da linhagem Nyngma. Yeshi Dhondup é o atual chefe da linhagem Gelupa. O Dalai Lama é o guia espiritual do povo tibetano e está acima das 4 linhagens, sendo venerado por todas.
21
Lumbini onde o Buda nasceu; Bodh Gaya, onde se iluminou; Sarnath, onde pregou pela primeira vez; e Kushinagara, onde faleceu.
22
Sakya Pandita é o 12º Detentor do Lamdré, é um dos grandes Lamas de todos os tempos. Suas obras foram famosas no mundo inteiro até hoje, e traduzidas para o Sânscrito (em geral era o contrário: do Sânscrito para o Tibetano). Levou o Budismo através do Oriente até a China.




A Sabedoria Essencial do Budismo

Segunda Parte

“Se você quiser saber o seu futuro examine suas ações no presente”





P. Sua Santidade, por que devemos praticar os ensinamentos budistas?



R. Gostaria de responder a esta pergunta descrevendo os três tipos de pessoa que pratica o budismo. Falando de maneira
genérica, desde o pequeno inseto até o mais inteligente ser humano tem o seguinte ponto em comum: todos desejam ser felizes
e todos desejam evitar o sofrimento. A maioria dos seres humanos não compreende qual é a causa do sofrimento, ou o que
causa a felicidade. Os ensinamentos budistas e a sua prática poderão responder a estas questões.





P. Quais as causas do sofrimento e da fel ic idade?



R. O Ratnavali, de Nagarjuna, diz: “Toda ação que nasce do desejo, aversão e ignorância produz sofrimento; toda ação
que nasce da ausência de desejo, aversão e ignorância produz felicidade”.



Ora, como eu estava dizendo, existem três tipos de pessoa. Como todos os outros seres, a pessoa mais baixa deseja ser feliz e
não deseja nem o sofrimento nem o nascimento nos reinos inferiores de existência, e por isso ela pratica o budismo para criar
as causas de renascimento no reino humano ou nos reinos celestiais dos deuses. Ela não tem o poder ou a coragem de deixar
completamente o Mundo da Existência. Ela apenas deseja a melhor parte do Mundo da Existência, ela deseja evitar a pior
parte, e é por isso que ela pratica a religião budista: para conseguir um renascimento mais elevado.



Agora a espécie de pessoa mediana compreende que a totalidade do Mundo da Existência. não importa onde ela renasça, é
sofrimento pela sua própria natureza, assim como o fogo é quente pela sua própria natureza. Ela deseja livrar-se de tudo e
atingir o Nirvana, o estado que está completamente além do sofrimento.



A pessoa mais elevada compreende que, assim como ela não deseja o sofrimento, e deseja a felicidade, da mesma forma todos
os seres vivos têm os mesmos medos e os mesmos desejos. Ela sabe que, desde que vimos renascendo repetidamente desde
um tempo sem princípio no Mundo da Existência, não existe um único ser consciente que não tenha sido nossa mãe ou pai em
algum tempo. E como nós estamos tão pertos de todos os seres sencientes, a pessoa elevada é aquela que pratica Budismo a
fim de retirar todos esses incontáveis seres do sofrimento.





P. Como devemos praticar?



R. O início de toda prática budista consiste em duas coisas importantes: meditação das Quatro Recordações e Tomada de
Refúgio.



As Quatro Recordações são 1, sobre a dificuldade de conseguir um nascimento humano, 2, a impermanência de todas as
coisas samsáricas, 3, o sofrimento do Mundo da Existência e 4, a lei do Carma, a qual significa Causa-e-Resultado.



Falando de maneira genérica, (1) é muito difícil nascer como ser humano. Nós pensamos que há muitos seres humanos, mas se
nós comparamos com o número dos outros seres compreendemos quão poucos nós somos. Por exemplo, em cada um de
nossos corpos existem milhões de germens, micróbios, vírus e assim por diante. Estatisticamente as chances de atingir a vida
humana são muito poucas. Em certos casos existem muitos lugares de renascimento que não são bons para um ser, como por
exemplo onde ele não será capaz de encontrar os ensinamentos do Buda. Existem Oito Desfavoráveis Lugares de nascimento:
1, nos reinos dos infernos, 2, dos espíritos ávidos e 3, dos animais. 4, dos bárbaros, 5, lugares onde os ensinamentos religiosos
são incorretos, 6, onde não existe Buda, 7, certos reinos dos deuses e 8, o reino das pessoas mudas. Mesmo que consigamos
um nascimento humano, existem Dez Condições Necessárias: 1, é necessário nascer num lugar em que o Buda tenha vindo, 2,
um lugar no qual o Buda realmente pregou a religião, 3, um lugar no qual o ensinamento ainda viva, 4, onde os mestres são com
passivos o bastante para ensinar, 5, e onde existam seguidores budistas como monges e praticantes leigos. Também existem
cinco circunstâncias externas necessárias para si próprio: a pessoa não deve ter cometido nenhuma das cinco faltas
ilimitadas[23], porque isto poderia criar grande obstrução.



Esta dificuldade é explicitada também de outras maneiras. A causa do nascimento humano é a realização de atos virtuosos e a
guarda da conduta moral correta; portanto, como só poucas pessoas estão atentas para isto, o nascimento humano tem uma
causa muito rara. De acordo com a natureza, é muito mais fácil nascer de qualquer jeito. A dificuldade é ilustrada com um
exemplo: imagine uma tartaruga cega vivendo no oceano. Flutuando na superfície do oceano está uma roda de um carro de boi.
A tartaruga vem à superfície apenas uma vez a cada Século. Pois bem, há maior chance de a tartaruga colocar sua cabeça no
buraco da roda do que nós termos um nascimento cm forma humana.



A Recordação da Impermanência (2) é que. o Buda disse, “Os três reinos da existência são como nuvens no outono; o
nascimento e a morte são como os movimentos de um dançarino; a vida dos seres é como uma cascata, como um flash de luz
no céu; não pára nem um só momento e logo que começa vai inevitavelmente para sua conclusão”. Tudo é mutável:
exteriormente mudam as estações, à primavera se sucede o verão, o outono, o inverno. A criança cresce no adulto e o adulto
se torna velho; os cabelos de pretos se tornam brancos, a pele enruga, a vida decai. Isto não é assim? Todas as coisas mudam
constantemente. Não existe um único lugar onde alguém pode escapar da impermanência. E como tudo muda constantemente,
nós nunca sabemos quando o fim vai acontecer. Uma pessoa pode estar com a saúde perfeita hoje. e já amanhã morrer. Nós sabemos duas coisas acerca da morte: Que é certo ela vir, e que não temos nenhuma idéia de quando ela virá. Isso pode acontecer a qualquer momento, e existem muitas coisas, interna e externamente, que podem ser sua causa. Portanto, se você
quiser praticar Budismo, você tem de compreender que tem de começar imediatamente. Você nunca pode estar seguro de amanhã poder fazer qualquer coisa.





P. Como isto nos ajuda? A prática do Budismo vai-nos fazer menos impermanentes?



R. Não nos vai fazer menos impermanentes, mas vai-nos dar a certeza de que, em nossas próximas vidas, teremos menos
sofrimentos. A prática do Dharma, da religião, significa resumidamente evitar as ações não virtuosas e realizar as ações
virtuosas. Quando você se conduz desta maneira é óbvio que você será feliz no futuro.





P. Isto significa que, se nós esperamos menos desta vida, nós também sofreremos menos?



R. (3) Como eu disse antes, não importa onde você esteja no Mundo da Existência, você estará sofrendo; sofrimento de
três tipos: sofrimento do sofrimento, sofrimento da mudança e sofrimento da existência condicionada. O sofrimento do
sofrimento aparece quando você tem uma dor de cabeça ou alguma coisa como tal. É o simples sofrimento que qualquer um
aceita e pensa que é sofrimento. O sofrimento da mudança é o sofrimento envolvido na percepção da mudança. Você está com
os amigos hoje, mas tem que partir; quando você vai, encontra inimigos. Nada é estável, e vendo isto nós experimentamos o sofrimento da mudança. O sofrimento da existência condicionada significa a insatisfatoriedade da atividade mundana. Nós fazemos muitas coisas no mundo, mas nunca estamos realmente satisfeitos. Existem sempre mais coisas a fazer, que nós não podemos fazer e isto nos causa uma frustração que é sofrimento.



No mais baixo dos Seis Reinos estão os Reinos Infernais, com excessivos calor e frio, e os “infernos vizinhos” que são também
estados de grande sofrimento, e que duram por um período de tempo incrivelmente longo. A causa desses estados de
sofrimento é o ódio. Depois existe o Reino dos Espíritos Ávidos que estão torturados por comida e bebida que eles não
conseguem engolir, isto é o resultado do desejo e da avareza, O Reino Animal é bem conhecido por nós e nascer ali é causado
pela ignorância. O Reino Humano, também, nós conhecemos. O quinto Reino é dos Semideuses que estão constantemente
engajados na guerra contra os deuses devido à inveja e que por isso vão naturalmente sofrer em suas futuras vidas. Os Deuses
parecem realmente confortáveis. Eles desfrutam de grandes prazeres e de uma vida imensamente longa, mas cedo ou tarde
experimentam a velhice e a morte. Como eles nada fizeram e apenas desfrutaram, eles não criaram o mérito para conseguir um
renascimento elevado e vão cair nos estados de grande sofrimento. Os três Reinos Inferiores experimentam exclusivamente o
sofrimento do sofrimento; os humanos experimentam todos três, mas principalmente os dois primeiros; enquanto que os deuses
sofrem fundamentalmente os últimos dois tipos de sofrimento.



A última das Quatro Recordações é o Carma, a Lei de Causa e Efeito. De um ponto de vista Budista, todas as coisas que
temos hoje e todas as coisas que fazemos têm uma causa no passado. De fato é dito que, se você deseja saber o que você foi
no passado, deve ver a sua situação presente; se você é rico ou pobre. feio ou belo, isto é resultado das ações passadas.
Assim o futuro, se será feliz ou de outra maneira vai depender do que você está fazendo hoje. Todas as coisas que você faz
hoje vão produzir um resultado no futuro. Se a raiz de uma árvore é medicinal, as flores, as folhas, a casca , tudo que nasce da
árvore será medicinal. E como isto, todo ato que nasça fora do desejo, aversão e ignorância vai produzir felicidade. Se a raiz
da árvore é venenosa, então todas as coisas que nascem da árvore vão ser venenosas, assim como as ações do desejo, da
aversão e da ignorância produzem sofrimento.





P. Existe uma prática baseada na Lei de Causa e Efeito?



R. A Lei de Causa e Efeito, Carma, é um dos principais ensinamentos do Budismo. Significa que você teria sempre de
praticar coisas virtuosas, já que as ações não-virtuosas vão sempre produzir sofrimento nesta vida assim como na próxima. Se
você não deseja sofrer deveria evitar sua causa; se não existe a causa, não vai haver o resultado, assim com se a raiz da árvore
é removida não haverá mais fruto. Se deseja felicidade deve ter muito cuidado com a causa da felicidade, assim como se
deseja que a árvore cresça deve ter cuidado com sua raiz. Se a raiz é defeituosa, a árvore não medrará.



Assim, antes de começar qualquer meditação deve contemplar estas Quatro Recordações muito cuidadosamente e após isso
deve Tomar Refúgio. Tomar Refúgio marca a diferença entre Budistas e Não-budistas: significa que você renuncia, que você se
asila.





P. De que maneira renuncia?



R. Você renuncia de si mesmo. Como eu disse, a Existência Mundana é cheia de sofrimento. Existem muitos sofrimentos
óbvios e também muitos que são menos óbvios e os quais as pessoas comuns não percebem. Desejamos estar livres desses
sofrimentos, mas presentemente não temos total conhecimento ou total poder para fazer isto, assim não existe quase nada que
possamos fazer por nós mesmos acerca disto no presente. Ora, quando você empreende uma ação importante, busca ajuda de
uma pessoa poderosa: se você está doente. consulta um médico, e se você tem um problema com a justiça, procura um
advogado. Assim. quando você deseja proteger-se do sofrimento da Existência Mundana, tem de tomar Refúgio na Jóia
Tríplice. que é o verdadeiro auxílio para este empreendimento. A Jóia Tríplice consiste no Buda que é o Guia, no Dharma ( ou
Religião) que é o nosso Caminho, e na Sangha que significa aqueles companheiros espirituais. Desta maneira, o Refúgio Final é
apenas o Buda: o Dharma ou Ensinamento tem duas partes: o Ensinamento e a Realização. O Ensinamento é o Tripitaka (
discursos de Sutras, Adhidharma e Vinaya), mas isto é apenas um barco que você usa para cruzar o rio: quando chega do
outro lado, simplesmente deixa isto para trás. A Realização também tem duas partes: a Verdade da Cessação, e a Verdade do
Caminho. A primeira destas é vazia, shunyata, portanto não pode ser um Refúgio final. Assim como a Sangha, mesmos os seus
mais elevados membros ainda estão no Caminho, portanto não podem ser um Refúgio final. De forma que, realmente, o
Refúgio está apenas no Buda, mas nós tomamos Refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha.





P. Isto significa que o Buda é permanente?



R. Sim, sim. O Buda é evidentemente permanente. O Dharmakaya, “o Corpo Verdadeiro”, está além de permanência e
impermanência; e o Sambhogakaya, “o Corpo de Bênção”, também existe. O Nirmanakaya, “o Corpo Aparente”, é a forma
que o Buda toma nesta Terra, e tem a aparência de impermanência, ainda que esteja sempre presente em todo lugar, mesmo
aqui.





P. O que é a real prática de tomar Refúgio?



R. Tomar Refúgio é realizado de maneira diferente de acordo com intenção de três tipos de pessoa que executa isto, ainda
que as três causas medo, fé e compaixão fazem o mesmo. A real prática é a recitação da prece de Refúgio. A prece mais
simples diz, “Eu tomo Refúgio no Buda, eu tomo Refúgio no Dharma, eu tomo na Sangha”. A reza mais elaborada diz, “Eu
tomo Refúgio no Buda, Dharma, Sangha até atingir a Iluminação; pelo mérito de fazer desta maneira possam todos os seres
alcançar o estado de Buda”.



Mas a mera recitação da prece com sua voz não suficiente; isto deve ser recitado do coração. Se você desejar refugiar-se da
chuva, não vai ser de nenhuma ajuda para você dizer casa, você tem que ir e pegar um guarda-chuva, e se fizer isso você
estará a salvo da chuva evidentemente. Portanto é necessário tomar Refúgio muito seriamente, com a total crença e, além disso,
pensar que, não importa o que aconteça, vai buscar Refúgio apenas na Jóia Tríplice e que você vai sempre permanecer sob
esta proteção. Recitando a prece desta maneira e com esta intenção é a primeira prática do Budismo e uma das fundações de
toda prática . Tomar Refúgio desta maneira distingue o Budista do não-Budista.



Ainda que esta recitação seja suficiente para fazer de você um budista, é comum uma pequena cerimônia realizada em frente do
guia espiritual. Ele vai pronunciar as palavras da prece que os discípulos repetirão depois dele, prometendo também eles
sustentar os ensinamentos morais do Budismo. Deste tempo em diante, você continua a recitar esta prece com grande
devoção.





P. Um renascimento animal é realmente possível para um ser humano?



R. Sim, realmente. Existem muitas estórias de seres animais renascidos como humanos devido às suas boas ações e de
seres humanos renascidos como animais, também, como resultado de suas ações más. Alguns animais são extremamente
carinhosos, especialmente para com seus filhotes, e por trabalhar duramente eles podem criar suficientes causas de atingir um
nascimento humano.





P. Por que o nascimento humano é tão importante?



R. O nascimento humano é extremamente precioso porque, através da vida humana, você pode atingir não somente o mais
alto renascimento e Nirvana, como também podemos praticar o Dharma e conseguir a Iluminação.





P. Realmente nos ajuda ficar pensando muito na impermanência? Nós sempre sabemos que somos impermanentes e
pensar muito nisto vai-nos deixar deprimidos.



R. Sim, isto ajuda. Tsongkhapa disse, “O prisioneiro tem apenas um pensamento: Quando pode ele sair desta prisão? Este
pensamento nasce constantemente em sua mente. Seu pensamento sobre a impermanência deve ser assim; medite sobre a
impermanência até que este estado de mente apareça”.





P. Nós estamos mesmos na condição de prisioneiros? Freqüentemente encontramos coisas agradáveis no Mundo da
Existência.



R. Mas este prazer não é permanente, não é? Os grandes prazeres podem levar ao desastre, não é? Assim nós estamos
felizes agora, mas não sabemos o que pode acontecer na próxima hora. Pode ser o completo desastre.



Uma vez que o prazer é impermanente, que é realmente incerto, você não tem a verdadeira felicidade porque o seu prazer está
colorido pela ansiedade. De fato, você não é nunca verdadeiramente feliz porque não sabe o que vai acontecer e assim a
ansiedade fica inevitável.





P. Os infernos são metáforas para estados de muito sofrimento ou eles realmente existem tais como são descritos nos
Sutras Budistas?



R. Alguma coisa realmente existe, penso. Realmente é dito nos Sutras que eles realmente existem muito mais terríveis do
que são descritos porque, diz-se, o Buda não os descreveu completamente. Se Ele os tivesse descrito completamente as
pessoas desmaiariam.





P. Como podem ser reais?



R. São tão reais quanto a vida que vivemos hoje. Sim, muitas pessoas pensam que eles não são reais, que são como um
sonho. Mas realmente somos felizes e infelizes nos sonhos, tão real quanto nós somos quando acordamos. Esta experiência
presente também não é real, mas pensamos que tudo ao nosso redor é real. O inferno é tão real quanto isto. Claro que o
inferno, também , em realidade, não é real. Isto também não é real. O que é isto, então?





P. Os Budas sofrem?



R. Não, eles não sofrem. Eles estão absolutamente livres do sofrimento.





P. Eles vêem o sofrimento?



R. Eles também não vêem o sofrimento.





P. Então como eles podem ajudar as pessoas que estão sofrendo?



R. Eles não sofrem. Esta resposta marca uma das diferenças entre as Ordens Sakya e Gelugpa; os Gelugpas dizem que os
Budas vêem o sofrimento e nós dizemos que eles não vêem. O homem que acordou do sono não tem sonhos. Esta impura cena
samsárica de sofrimento é como um sonho, é como uma ilusão. Assim o homem que acordou desta ilusão não pode mais
sonhar outra vez. Mas devido à sua Bodhicitta (mente de iluminação) e sua compaixão a ajuda aos outros espontaneamente
nasce. Mas o Buda em si mesmo não mais vê o sofrimento. Para ele todas as coisas são transformadas em pura aparência.





P. O Buda está envolvido no “Carma”?



R. Ele pode conseguir o resultado cármico final, o mais alto e o melhor resultado de Carma.





P. Pode alguma coisa acontecer para nós que não seja resultado de nossas próprias ações?



R. Não, nunca.





P. Pode o Buda perceber o resultado de suas próprias ações e das dos outros?



R. Sim, por exemplo tem havido muitas profecias, mas eu não penso que o Buda veja ou perceba estes resultados. Onde
existe necessidade de profecia isto apenas acontece espontaneamente.





P. Podemos modificar o resultado das ações passadas?



R. Certamente. A meditação Vajrasattua pode purificar muitas de nossas más ações, porém em todo caso a criação de boas causas e o mérito é de muita ajuda e
necessidade.





2 comentários:

  1. Bom dia.
    Gostaria de receber pelo meu E-mail rituais de prosperidade e meditações.
    Obrigada.
    Paz Profunda.

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